segunda-feira, 30 de março de 2009

Depois do poema, aqui vai mais qualquer coisa do Pessoa esotérico, extraído do portal:http://multipessoa.net/labirinto/ocultismo

Afinal o conteúdo dos mistérios resume-se em ensinamentos, sobre três ordens de coisas, que sempre se julgou que não devem ser reveladas ao geral dos homens. Sempre se julgou que aqueles ensinamentos, que as religiões ministram, deveriam ser adaptados à mente dos que a os recebem, e, como muitos deles — tal é a opinião dos iniciados — são de ordem que o povo em geral os não compreenderia e que portanto, compreendendo os pervertidamente, se perturbaria com ele, segue que se pensou que esses ensinamentos se deveriam dividir em duas ordens: exotéricos ou profanos os que são expostos de modo a que todos possam ser ministrados; esotéricos ou ocultos os que, sendo mais verdadeiros, ou inteiramente verdadeiros, não convém que se ministrem senão a indivíduos previamente preparados, gradualmente preparados, para os receber. A esta preparação se chamava, e chama, iniciação. E esta iniciação é ela mesma gradual em todos os mistérios, e de tal modo disposta que o indivíduo inapto para receber esses ensinamentos ocultos se revela tal antes que eles lhe sejam inteiramente dados.
Se esses ensinamentos ocultos são verdadeiros, ou apenas especulações abstrusas, é outro problema. Se os hierofantes do oculto têm, na verdade, maior conhecimento da verdade pura do que nós profanos, que a buscamos, se a buscamos, com a leitura; ou a meditação, ou a inteligência discursiva e dialéctica — não o podemos nós saber. Tudo isso pode ser sinceramente crido pelos iniciados, e ser falso. O oculto pode ter alucinações próprias, enganos seus.
Seja como for, o certo é que os ensinamentos ministrados nos mistérios abrangem três ordens de coisas: (1) a verdadeira natureza da alma humana, da vida e da morte, (2) a verdadeira maneira de entrar em contacto com as forças secretas da natureza e manipulá-las, e (3) a verdadeira natureza de Deus ou dos Deuses e da criação do mundo. São, respectivamente, o segredo alquímico, o segredo mágico, e o segredo místico. Ao primeiro chama se alquímico porque os ensinamentos relativos a ele são em geral ministrados através de símbolos da chamada alquimia, que não é mais, como hoje claramente se sabe, do que uma linguagem simbólica.
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Mas o significado real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar — um dissipar gradual, parcial — dessa ilusão. A razão do seu segredo é que a maior parte dos homens não está adaptada a compreendê-lo e, portanto, compreendê-lo-á mal e confundi-lo-á, se for tornado público. A razão de ele ser simbólico é que a iniciação não é um conhecimento, mas uma vida, e o homem deve, portanto, descobrir por si o que mostram os símbolos, porque, assim, viverá a vida deles, não se limitando a aprender as palavras em que são mostrados.
Dizer que Cristo é um símbolo do Sol é pôr o processo iniciatório ao invés. É o Sol que é o símbolo de Cristo. Por outras palavras, Cristo é a realidade e o Sol a ilusão, Cristo é a luz, e o Sol a sombra. (O Inefável é a luz; o GA, corpo; o mundo, sombra — a sombra projectada pelo denso quando iluminado pelo subtil. A luz está na circunferência e a sombra lançada para o centro. Isto tem alguma coisa a ver com o pt. dentro do c.?) (Cf. a ideia cabalística do En Soph retirando-se para dentro, manifestando-se dentro e não fora).

Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética - Fragmentos do espólio . Fernando Pessoa. (Introdução e organização de Yvette K. Centeno.) Lisboa: Presença, 1985.

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