quinta-feira, 30 de abril de 2009



Ilha do Pico, Agosto 2007

A Ilha do Pico entrou no meu coração através de todos os sentidos. Só assim se poderá entender o Amor. Algo que entra e sai em nós sem esforço, e permanece sem inquietação, expandindo todos os nossos sentidos, a nossa alma.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

. O olhar. Olhamos sempre, seja o que for. Os olhos. São muito importantes os olhos. Quando conheço uma pessoa a primeira coisa que tento olhar, são os olhos. Os olhos revelam o que somos, como nos sentimos. Existem pessoas que nos deixam entrar dentro delas, não resistimos ao magnetismo e luz interior do seu olhar. Com os olhos damos o primeiro beijo, e aí já vemos se, os lábios serão anémonas a saber a polén, ou ostras que se fecham ao toque. Descobrimos que no amor, tudo se filma e regista. Existem pessoas que vivem muito através do olhar, como pintores, designers, arquitectos, isso é real nos seus olhos, sempre mais atentos, mais penetrantes. Tocarmos no outro só através do olhar. Sentir o seu corpo, como um astronauta sente a terra à distância. Permanecer na sua órbita, atraidos pela sua força gravítica. Quando estamos enfeitiçados e apaixonados, eis-nos de olhos fechados, com a vista virada para para o céu que há em nós, e a viver num mundo encantado. Quando dormimos, continuamos a olhar, sonhamos com o olhar de sermos nós, num mundo onde ninguém nos pode ver, e em que a realidade é também, fantasma dos nossos medos, da nossa fantasia, da nossa alegria. Sonhar será organizar o real que não vemos com os olhos e transformá-lo em imagens. Morrer será perder a capacidade de sonhar, a capacidade de ver, não a vida. O mundo é infinito, porque não podemos parar de olhar. É isso também que nos faz ir em frente, o pulsar do olhar, do desconhecido. O olhar guarda o sentir, e é através desse olhar que recordamos os lugares, os outros e aquela intermitência do que somos e deixamos de ser a cada momento, na nossa existência.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Cada um tem o destino universal de fazer consigo mesmo o modelo de mais uma estátua humana. E esta fabrica-se apenas com íntimo pessoal.
O nosso íntimo pessoal é inatingível por outrem. E é este o fundamento de toda a humanidade, de toda a Arte e de toda a Religião. O nosso íntimo pessoal é de ordem humana, estética e sagrada. Serve apenas o próprio. É o seu único caminho. O melhor que se pode fazer em favor de qualquer é ajudá-lo a entregar-se a si mesmo. Com o seu íntimo pessoal cada um poderá estar em toda a parte, sejam quais forem as condições sociais, as mais favoráveis e as mais adversas. Sem ele, nem para fazer número se aproveita ninguém.
(...)
O autor destas páginas também desenha e não sabe expressar por palavras a extraordinária impressão que recebe sempre que copia o perfil de qualquer pessoa. A natureza chega tão complexa às feições de cada um, que somos forçados a não poder aceitar cada qual resumido ao lugar em que a sociedade o põe. Através dos séculos, uma linha única e incessantemente seguida acabou por tornar inimitável o perfil de cada um. Essa linha passa agora desde o alto da testa até por baixo do queixo, e às vezes lembra a de outros, mas é intransmissível.

Almada Negreiros, Nome de Guerra, 1925 Edição Assírio e Alvim 2001

sábado, 25 de abril de 2009

. Neste dia tão belo como foi o 25 de Abril, pela mobilização de esperança num mundo melhor, pela reivindicação de direitos fundamentais, pela luta contra qualquer forma de repressão, de obscurantismo, de mutilação cultural ( e por isso, também emocional), de racismo, constato que a luta continua, e que aquilo que chamamos de democracia, no fundo continua a ser uma forma de ditadura mais subtil, em que foi dado ao homem a liberdade, e a liberdade de escolha, mas esta ligada a uma profunda e bem urdida teia de escravidão intelectual, emocional e espiritual baseada em pressupostos de qualidade, amor e fé totalmente fictícios. Os preconceitos continuam aí, as ideias feitas, surgem dos quadrantes mais insuspeitos, mesmo qualquer um de nós, se estiver mais atento, repara em reacções e pensamentos perfeitamente automatizados, sedimentizados pela sua educação, os seus valores culturais, a sua, julga ele, abertura de espírito. Como diz Tolle, estamos todos adormecidos, anestesiados, enjaulados na ideia que fazemos de nós próprios, domesticados por estes regimes democráticos que nos dão tudo o que queremos, mas afastam-nos do essencial, da luz, do nosso sentir, do nosso eu interior. Por isso deixo aqui extractos da Introdução do livro de Eckhart Tolle, Um Novo Mundo, Despertar para a Essência da Vida, livro que considero de leitura obrigatória a todos, não excluindo nunca um espírito crítico e empenhado que o livro exige, mas sobretudo o de deixar abrir o nosso coração e espírito para questões tão importantes para a nossa evolução como seres humanos. O livro é um Best-seller, e para aqueles que têm preconceitos sobre isso, mais uma razão para o lerem e chegarem à conclusão que a personalidade não é uma coisa que apareça num grande letreiro luminoso, onde anunciamos os nossos dotes, e que não se constrói só na marginalidade ou por atalhos culturais pretensiosamente profundos e inteligentes. Sei que está na moda esta coisa New Age muito espiritual e livros de auto ajuda e auto conhecimento. É bom este fenómeno estar a acontecer, mas também é necessário filtrar, e saber por onde começar, e não esbarrar em livros que não são sérios, mas que sejam “espiritualmente vivos”, e não entrarmos numa de fazer um reset à nossa personalidade, numa tentativa de apagar erros e deformações que sabemos que existem ou que enventualmente descobrimos existirem. O importante é trazer a Luz para dentro de nós, não moldar, de maneira alguma, qualquer tipo de realidade interior. Esta revolução que está em marcha não é para ser comemorada uma vez por ano como o 25 de Abril, ela é para ser feita a cada minuto, a cada hora, a cada dia por todos nós, se queremos construir um mundo melhor.

. Estará a Humanidade preparada para uma transformação da consciência, um florescimento interior tão radical e profundo que, comparado a ele, o florescimento das plantas, por mais belo que seja, não passa de um pálido reflexo? Serão os seres humanos capazes de perder a densidade das suas estruturas mentais condicionadas e tornar-se iguais aos cristais ou às pedras preciosas, ou seja, transparentes à luz da consciência? Serão os seres humanos capazes de desafiar a atracção gravitacional do materialismo e da materialidade e elevar-se acima da identificação com a forma que alimenta o ego e os condena à prisão da sua própria personalidade?(...) O que podemos fazer para provocar ou acelerar esta mudança interior?
. (...)Uma parte crucial do despertar é o reconhecimento de um eu adormecido, o ego que pensa, fala e age, bem como o reconhecimento dos processos mentais condicionados colectivamente que perpetuam o estado de adormecimento. (...)se não conhecermos o mecanismo básico de funcionamento do ego, não seremos capazes de o reconhecer e ele continuará a maquinar estratagemas para nos levar a identificar-nos com ele. Isto significa que ele se apodera de nós, que é um impostor a fazer-se passar por nós.(...)o acto de reconhecimento em si é uma das formas que dá origem ao despertar. Quando reconhecemos a nossa falta de consciência, o que torna esse reconhecimento possível é a consciência em desenvolvimento, é o despertar. Não podemos lutar contra o ego e vencer, tal como também não podemos lutar contra as trevas. Não é preciso mais nada, apenas a luz da consciência. E você é essa luz.
. (...)O medo, a ganância e o desejo de poder são as forças psicológicas que sustentam a guerra e a violência entre nações, tribos, religiões e ideologias, além de serem também a causa de incessantes conflitos nas relações pessoais. Provocam uma distorção na nossa percepção de nós próprios e das outras pessoas. São elas que nos levam a interpretar mal uma situação, conduzindo a acções despropositadas concebidas para nos libertar do medo e satisfazer a nossa necessidade de mais, que é um poço sem fundo.
. Porém, é importante realçar que o medo, a ganância e o desejo de poder não são a tal disfunção de que estamos a falar, mas sim o seu produto. Esta disfunção é uma ilusão colectiva profundamente enraizada na mente de cada ser humano. Há uma série de ensinamentos espirituais que nos aconselham a abandonar o medo e o desejo, mas estas práticas espirituais geralmente não dão resultado. Não vão à raíz da disfunção. O medo, a ganância e o desejo de poder não são os principais factores casuais. Tentarmos ser seres humanos bons ou melhores parece uma coisa louvável e de sentimentos nobres, mas é um esforço pelo qual não obteremos frutos, se não se verificar uma mudança na consciência. Esta tentativa aida faz parte da mesma disfunção, é uma forma subtil e invulgar de narcisismo, de querer obter sempre mais, de desejar uma consolidação da nossa identidade conceptual, da imagem que criamos de nós próprios. Não nos tornamos bons tentando ser bons, mas encontrando a bondade que já existe dentro de nós e deixando-a vir à superfície. Porém, tal só é possível se algode fundamental mudar no nosso estado de consciência.
. A história do comunismo, originalmente inspirado em ideais nobres, ilustra de forma clara o que acontece quando as pessoas tentam mudar a reslidade exterior – criar um novo mundo – sem terem promovido anteriormente uma mudança na sua realidade interior, no seu estado de consciência. Fazem planos sem ter em conta a garantia de disfunção que todos os seres humanos carregam consigo: o ego.
. (...)O maior feito realizado pela Humanidade não está relacionado com o que ela conseguiu atingir na arte, na ciência ou na tecnologia, mas com o reconhecimento da sua própria disfunção, da sua própria loucura.
. (...)As religiões concediam às pessoas o pretexto para se sentirem “certas” em oposição aos outros, que estavam “errados”, e, por conseguinte, ajudavam-nas a definir a sua identidade com base nos seus inimigos, os “outros”, os “descrentes” ou “mal-crentes”, encontrando com frequência justificação para os matar. O Homem criou “Deus” à sua imagem. O eterno, o infinito e o inominável foram reduzidos a um ídolo mental, no qual se tinha de acreditar e o qual se tinha de venerar como o “meu deus” ou o “nosso deus”.
. No entanto...no entanto apesar de todos os actos de loucura cometidos em nome da religião, a Verdade para qual apontam ainda brilha no seu âmago. Continua a brilhar, por mais ténue que seja o brilho, por baixo das várias camadas de distorção ou má interpretação. Porém, é pouco provável que sejamos capazes de percepcionar esse brilho se nunca tivermos tido pelo menos vislumbres dessa Verdade dentro de nós mesmos.
. (...)Por intermédio de alguns homens e mulheres, no seio das principais religiões desenvolveram-se escolas ou movimentos que representavam não só uma redescoberta, mas também, em alguns casos, uma intensificação da luz da doutrina original. Deste modo, nasceram no seio do Cristianismo inicial e medieval o gnosticismo e o misticismo, o sufismo na religião islâmica, o chassidismo e a cabala no Judaísmo, o advaita vedanta no Hinduísmo e o zen eo dzogchen no Budismo. A maior parte destas escolas era iconoclasta. Estas escolas fizeram desaparecer camadas e camadas de estruturas de conceptualização morta e sistemas mentais de crenças, o que fez com que a grande maioria fosse vista com desconfiança, e muitas vezes até com hostilidade, por parte das hierarquias religiosas oficiais. Ao contrário da religião dominante, os seus ensinamentos acentuavam a compreensão e a transformação interior. Foi através destas escolas ou movimentos esotéricos que as principais religiões recuperaram o poder transformador dos ensinamentos originais, embora, na maior parte dos casos, apenas uma pequena minoria de pessoas pudesse ter acesso a eles. Este número de pessoas nunca foi suficiente grande para causar um impacto significativo na inconscência colectiva profundamente enraizada na maioria das pessoas. Com o tempo, até algumas destas escolas se tornaram demasiado rígidas ou conceptualizadas para surtirem efeito.
. (...)a nossa”espiritualidade” nada tem a ver com aquilo em que acreditamos, mas sim com o nosso estado de consciência.
. (...)Neste momento, estamos a assistir não só a um afluxo de consciência sem precedentes, como também a uma firmeza e intensificação do ego.
. (...)Mas o ego está destinado a perecer, e todas as suas estruturas ossificadas, sejam instituições religiosas ou outras, como empresas ou governos, irão desintegrar-se a partir do seu núcleo, independentemente do quão enraizadas aparentem estar. As estruturas mais rígidas, as mais difíceis de mudar, serão as primeiras a sucumbir.
. (...)Uma parte significativa da população mundial irá reconhecer em breve, se é que já não o reconheceu, que a Humanidade é agora confrontada com uma decisão difícil: evoluir ou morrer. Uma percentagem relativamente pequena da Humanidade, mas em franca expansão, já está a romper com os antigos padrões mentais egóicos e a despertar para uma nova dimensão de conciência.
. O que está a surgir neste momento não é um novo sistema de crenças, uma nova religião, ideologia espiritual ou mitologia. Estamos a chegar ao fim não só das mitologias, mas também das ideologias e dos sistemas de crenças. A mudança ocorre a um nível mais profundo do que o conteúdo da nossa mente, do que os nossos pensamentos. Na realidade, na base de uma nova conciência reside a transcendência do pensamento, a recentemente descoberta capacidade de nos elevarmos acima do pensamento, de nos apercebermos de uma dimensão que existe dentro de nós próprios e que é infinitamente mais vasta do que e o pensamento. Deixamos então de ir buscar a nossa identidade, a nossa percepção de quem somos, ao incessante fluxo de pensamento que, na consciência antiga, consideramos ser nós próprios. Constitui uma libertação extraordinária apercebermo-nos de que “a voz que ouço dentro da minha cabeça” não é quem eu sou. Então quem sou eu? Sou aquele que se apercebe disso. Sou a consciência anterior ao pensamento, o espaço onde o pensamento – ou a emoção, ou o estado de “sentir percepção” – ocorre.
. O ego não passa disto: a identificação com a forma, que significa primariamente a identificação com as formas do pensamento. Se o mal for detentor de alguma realidade – e é-o, não de uma realidade relativa, mas absoluta -, esta é igualmente a sua definição: a identificação total com a forma – com as formas materiais, com as formas do pensamento e com as formas emocionais. Isto resulta numa total ausência de consciência da minha ligação ao todo, da minha unicidade intrínseca com todos os outros, bem com com a Fonte. Este esquecimento é o pecado original, o sofrimento, a ilusão. Quando esta ilusão de uma separação total subjaz ou impera em tudo aquilo que penso, digo e faço, que tipo de mundo estou eu a criar?

Eckhart Tolle, Um Novo Mundo, Editora Pergaminho, 2006

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Jardim da Estrela 10 de Abril 18h

Acendi o candeeiro com o Sol e fiz dele uma ave noturna.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Hoje comemora-se o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. Hoje vou pôr um excerto longo de um livro escrito por Ernesto Sampaio(1935-2001) em 1957, Luz Central, texto luminoso de um jovem de 21anos!, que descobri em 1985 na Antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa, EDOI LELIA DOURA, organizada por Herberto Helder, antologia preciosa a vários níveis, estimulante.
Ernesto Sampaio é desde aí uma pessoa que sempre admirei e acompanhei, nas traduções excelentes, nas entrevistas, poucas, nas escolhas, no seu amor pela vida, a criação, o dilacerante...e tenho pena de não o ter conhecido pessoalmente. Este texto foi algo que me marcou no meu pensar e com outras leituras da altura (Eliade, Bachelard, Boheme, Musil, Borges); ainda não consegui ler o Lautreamont. Uma mulher acompanhou-me nesse percurso, trazendo para ele vários tipos de luz, reflexões, amor, entusiasmo por todas as vertentes da estética e da filosofia, sendo também responsável por aquilo que sou, e o que ainda me encanta nesta Vida de Amor e Espírito, Sagrada. Obrigado.
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. A literatura exige solidão. A solidão é o estado de equilíbrio da consciência que prolonga a lucidez desde a mais simples percepção até à mais complexa representação de formas interiores sagradas. Estado de equilíbrio que resulta da oposição entre a necessidade de duração, de continuidade, frequentemente ligada às representações do Bem e da felicidade, e a tensão para o Sagrado(1) onde convergem a substância e a essência do Ser. Esta tensão – o Desejo, manifestado desde as suas formas mais arcaicas (entre as quais podemos englobar o erotismo, na ascensão para a evidência espiritual em que finalmente se transforma) até à ssuas formas superiores (a busca amorosa do ser essencial) – é o maior perigo que a consciência defronta. E é-o porque se estrutura segundo um sentido e um tempo histórico inalienáveis e o Desejo é a sua alienação, no reivindicar de uma forma e um acto para todas as virtualidades cósmicas do Ser, na sua natural tendência a integrar as particularidades que constituem cada individualidade, orgulhosa do seu número e da sua solidão, na universalidade da vida. Porque eu penso ser a consciência oposição ao Desejo. A consciência valor máximo, a conciência tradicional. A consciência que cada indivíduo carrega para se sentir relativamente vivo, seguramente vivo; a paragem, a escolha, entre os mil objectos estranhos que nos rodeiam, de os que melhor preenchem a nossa individualidade e a razão de ser dessa individualidade. A consciência nega-se à comunicação e utiliza, de acordo com o evolucionar da sua própria noção, um sistema convencional de trocas, especulando continuamente sobre a sua estrutura perceptiva. Se eu digo que a consciência se nega à comunicação é porque a comunicação exige morte e conciência é cristalização, é negação obstinada à arriscada operação que a morte implica. Por isso mesmo, a comunicação é absolutamente inintegrável em qualquer projecto da consciência (o projecto é o processo de definição do eu por referência aos objectos que o rodeiam, em face de um universo reduzido ao valor de paisagem ou de parede).
. Disse há pouco que a comunicação exige morte. O sentido desta exigência é o sentido de toda a grande criação, o de toda a comunhão cósmica. “Toda a grande criação”: como a Poesia, que é a anulação da individualidade do poeta em benefício do conhecimento expresso no Verbo e nos signos que lhe revelam ao violar os interditos que separam o Desejo da sua natural origem: o Sagrado. O sagrado que, por subtilíssimas habilidades lógicas, tem sido prodigiosamente afastado do homem até se transformar na habitação dos ídolos abstractos diante dos quais ele se curva e em cuja contemplação afoga a sua liberade, o seu desejo e a sua inigualável soberania. Se dou a Poesia como exemplo de grande criação é porque o poeta realiza, na magnífica definição de Georges Bataille, “uma operação sacral”(2), à semelhança do homem que ama, ao transformar-se ele próprio em comunicação “na medida em que participa da poesia”(3). O significado desta participação é o que tentaremos discernir.
. Recorro de novo a Bataille: “Ela(a poesia)parte de um autor soberano, para além das servidões de um leitor isolado, e dirige-se à humanidade soberana. O autor nega-se a si próprio, nega a sua particularidade em proveito da obra, nega ao mesmo tempo a particularidade dos leitores em proveito da leitura”(4), autor e leitores deixam de ser solidão, individualidade, e transformam-se em comunicação. Quando, na proposição inicial deste texto, eu disse que a Literatura exige solidão, referia-me à solidão que precede a morte, ao despertar para o reino da humanidade soberana, incompatível com o interesse e com a supercficialidade do real limitado pela razão. E, já que falo em razão, ocorre dizer que a liberdade humana não terá lugar nem sentido no Universo enquanto o pensamento lógico e determinista animar a mecânica dos processos que o homem utiliza para atingir fins que, na maior parte dos casos, não existem como fins no sentido integral da palavra, mas sim como extremos da cadeia de causa a efeito que esse processo constitui. Determinados fins da ciência, da arte e da filosofia racionalistas só existem como meios de justificar os meios empregados para os alcançar.
. Inútil é insistirmos nas deficiências do racionalismo em relação às necessidades e aos objectivos superiores do homem, dadas as limitações advindas da relatividade dos esquemas traçados pelça razão; a razão, que tende para um único objecto em cada período do seu funcionamento lógico-matemático, mais ou menos mediato conforme a lavanca que o põe em movimento e é o interesse, ou a necessidade, de prolongar intelectualmente as ressonâncias de um clarão de absoluto, escassas vezes alcançado, furtiva e relativamente. É inútil porque a característica fundamental do racionalismo é o controlo que impõe ao espírito. Ora, nós sabemos que um espírito dirigido – se fecha; e sabemos, ainda, que o conhecimento só é possível mediante um espírito excessivamente aberto e absolutamente disponível, que simultaneamente se assista, num desdobramento dialéctico do consciente e do inconsciente, resolvido na síntese destes dois elementos, reflexo no homem de todas as sínteses que, finalmente constituem o universo. Esta supra-conciência é exigida a quem nele queira ver e prever. A quem a alcançar, suponho, tudo lhe é revelado num só acto do espírito.
. Escrevi so princípio que a operação pela qual a consciência se dura e perpetua encontra-se, frequentemente, ligada às representações do Bem. É evidente, então, que o Desejo se acha ligado às representações do Mal, ao exigir liberdade como condição da sua metamorfose de pequeno em grande. A liberdade, ou é uma reivindicação total do Ser ou não é nada. Se considerarmos esta reivindicação como exigência fundamental da integração do homem no universo, fácil é verificarmos que: a liberdade de que falamos se identifica com destruição, a lenta e apaixonada purificação a que se referm alguns mitos orientais. Destruição que sobretudo dis respeito e sobretudo põe em perigo as normas, os valores, as trocas sociais que criam ao homem um número, um espaço, uma experiência própria, a meio das nossas brilhantes sociedades de produtividade. Um acto livre põe em perigo este armazém de estruturas, porque o seu objectivo será a provocação, a destruição desta sociedade de limitações, conform for ou não densa a ambiência ética que lhe deu origem e o seu consequente sentido revolucionário. Por isso a definição legal que lhe dão é a de crime, e isso há nele a luz soberana de todos os grandes crimes da história.
. Para não dar lugar a confusões precipitadas esclareço que o sentido revolucionário de que falo tem raízes na revolta contra o conceito de condição humana. Eu não sei o que é condição humana. Sei que o conceito habitualmente assim designado é usado para justificar todas as formas de expoliação e abdicação de que o homem é vítima. O homem mede-se pela não aceitação das circunstâncias dadas que o desfiguram, pela sua revolta contra essa condição. Cada vez que o homem se lembra, digo quando imagina, porque imaginar é recordar, aí está uma etapa da revolução que ele tem de operar desde a sua estrutura mental até a todo espaço que ocupa. A revolta não é impotência, irredutibilidade à natureza ou movimento que crie ao homem um destino particular. A revolta é a base da revolução, e a revolução é a liberdade das formas contingentes do espírito. Não lhe traz nada de novo mas restitui-lhe todos os seus poders reconduzindo-o às origens. Revolução é marcha, é transformação. Para que um homem possa marchar e transformar-se é preciso que se disponha a morrer, a abandonar o pequeno e parcial ser que constitui, a fim de transformar-se ele próprio em Ser através da já citada metamorfose do pequeno Desejo em grande Desejo. Creio ser oportuno falar do maior entrave que se põe a essa metamorfose: a experiência. É a maior ontingência que o Ser defronta porque cristaliza o infinito pensando-se finito, o macroscósmico reduzindo-se a microcósmico. É preciso recusá-la a cada momento – porque o seu sentido é a justificação da consciência, que se adapta à decepção. Contra a experiência: a Poesia, a comunicação para além de todos os interditos e contra toda as limitações(5). Não uma moral, mas uma hiper-moral; não um fechar-nos nos nossos actos, mas um abrir a essência e a substância do fragmento que somos à penetração de Ser “de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo cessam de ser percebidos contraditoriamente”.(6) A Poesia coincide, então, com a destruição a que já nos referimos, correspondendo esta destruição ao desregramento dos sentidos exigido por Rimbaud como condição preliminar do acto poético, o grau máximo das formas que o Mal pode assumir. Ora, para a Literatura – que é a continuidade da Poesia (e não me refiro, evidentemente, à pacotilha que, aqui e lá fora, passa normalmente por Literatura) – não há Mal nem Bem, não há interditos: há comunicação. O que só por si chegava para justificar o 2escândalo” que constitui para a consciência a percepção da existência do corpo quente e vivo que dela faz parte. Ah, que se não fossem as possibilidades extraordinárias que não cessam de deixar entrever ao homem o ponto radioso, até agora atravancado de deuses e de ídolos que a desonra de uma pretensa “propensão religiosa do homem” lá tem posto...
. E é a vez de falarmos no movimento que, em princípio e quanto ao método, ou “forma”, que lhe corresponde e seu respectivo objectivo, é uma revolução no espírito e na matéria, melhor: uma correcção na concepção de matéria. O corpo novo que há-de aparecer, os indícios seguros da experimentabilidade das transmutações e das transcomunicações universais, os objectos mágicos e magicizantes que assinalam e justificam a estrutura mental que os animou, deixam para trás, metamorfoseiam, transformam em certezas anímicas a-conceptuais os conceitos de matéria e de espírito; e a tal ponto que, esotericamente, não percebemos senão um fluxo, um mono-estado do Ser, infra-e super-estruturado; comum a tudo o que existe, com forma e essência, imediata e transcendentemnte, do grau zero ou grau infinito, do ponto extremamente parcelado ao ponto onde as antinomias cessam, do átomo ao Universo. Como “prova” “visível” da viabilidade deste estado, temos a “harmonia” do mundo que habitamos, - mundo cheio de opostos e choques que o perpetuam. Este movimento é, na sua expressão intelectual, um monismo dialéctico que ultrapassa, contendo-os, tanto ao marxismo como ao idealismos hegelianos (os românticos e os orientais). Contra a teoria da exclusividade da matéria (a), do primado do espírito (b), da ausência ou gratuitidade das formas de vivência humana: Desejo e Paixão (c), - afirma-se a existência de um ponto de onde tudo – matéria e espírito (para não nos perdermos de vista) – emana. Este ponto central querem muitas metafíicas que seja Deus, já que se trata de um mito(7) que extrema a existência. Ora, todos nós sabemos que os mitos que extremam a existência têm vindo a ser objecto de uma deprimente especulação religiosa. O mito do ponto central, como todos os mitos, contém dois elementos: um, radicado na tensão que liga o homem à transcendência; outro, na transcendência ela mesma. É na tendência para a cristalização resultante do desejo de paz, de imobilidade, desejo que objectiva a transcendência algures fora do Universo, divinizando-a, - é aí que a especulação se revela. Isto acontece porque o homem, ao negar-se a viver fora-de-pé, em perigo, em constante luta, isola cada um dos elementos que compõem o mito. Assim, os mitos funcionam não como factores de exaltação, mas sim e ao invés como expedientes de consolação. O que se deve atribuir ao facto de – pelo menos no Ocidente – toda a aspiração religiosa partir de uma, consciente ou inconsciente, desesperação humana. Todos os exegetas das religiões do Ocidente – o Cristianismo, sobretudo – apontam a angústia como o mais seguro meio de transporte para alcançar Deus. (Uma vez lá, parece, o estado é o de graça.) Fala-se muito, entretanto, da dissociação homem-mundo, e diz a propósito ser ela o factor primeiro da tragédia da condição humana. A mais humilde experiência, sem pretensões culturais, nos ensina que – onde exista Desejo não existe dissociação, existe Amor. E Amor é o mito que mais absolutiza o homem. É por ele – o Amor – que a divindade é forçada a “descer” ao seu elemento inicial: o mundo. Todas as Religiões se opõem ao Amor(8) e a razõ disso está em que a divindade não é, para o Amoroso, mera abstracção; é, sim, um corpo susceptível de posse(9), e a cujo contacto este provoca as explosões de luz que iluminam o Sagrado. É um corpo que nos restitui o equilíbrio inicial; e as suas palavras são sempre extremas. É um corpo essencial – porque só o conhecemos na ascensão para a extremidade emocional da vida – e porque somente dele comungamos na transcendência.
. Voltando, pois, ao ponto central. O movimento do espírito que temos vindo a considerar instaura um elemento novo, até agora ausente de todas as tabelas químicas e metafísicas. Por ele se pretende conquistar a chave do compartimento onde se esconde, para observar-lhe os mivimentos mais íntimos; é, enfim, aspiração a uma Sabedoria Universal(10), que é um conhecer dos ritmos secretos da Natureza, da qual nós, o homem, somos parte privilegiada.
Como uma das múltiplas definições possíveis da sua forma, podemos propor a seguinte: pensar de outra maneira em outra coisa; maneira que nasceu de algo já revelado e perdido; coisa, inicialmente vivida, recordada de cada vez que a imaginação conduz o espírito e que o espírito completa o corpo e que o corpo contém a terra. Libertar e seguir a imaginação demonstra-nos o quanto estamos afastados da Vida, das preeminentes situações, do Amor. Sentir este afastamento, senti-lo no corpo de uma maneira incisiva e violenta, vem a ser a condição, única, do nascimento do Desejo; que, tendendo para o real, integra a verade particular na verade universal. Esta integração constitui o vértice da pirâmide moral que o homem é. À tendência irresistível no homem para o conhecimento que definimos por ponto central, empregando uma fórmula que todos os ocultismos mencionam: (“A Grande Obra é a conquista do ponto central onde reside a força equilibrante” – afirma Eliphas Lévi, na sua História da Magia), a essa tendência irresistível, dizíamos, dá-e o nome de revolução – que o mesmo é dizer, a instalação da verade desde a estrutura mental a transformar para recuperar o maravilhoso Paraíso Perdido(11) até ao espaço, todo, que o homem ocupa(12).
. Para mim, a iluminação, a densidade poética de alguns objectos que o homem cria, numa transfiguração surrealista da clássica “obra de arte”, resultam elas do choque extraordinário que se opera entre a “forma” e aquilo que é absolutamente estranho a qualquer espécie de linguagem, poética ou plástica, o que nasce e cresce até mais não caber na carne do poeta, e metaforicamente se revela, então, numa linguagem nova, estranha e pura, particularizando e a-historicizando a forma, numa palavra: negando a arte. A arte, que, no seu para nós mais válido conceito, é definida pelos grandes contrutores de exegeses como ligação entre a estrutura carnal (ou espiritual, como quiserem) do artista, e o tempo, - ligação esta objectivada na obra, a qual é gerada no ponto onde convergem(dizem) a metafísica e a moral, sendo que a arte é acção que se quer livre no princípio que a determina e no fim que dura enquanto ela (acção) durar. Ora, eu penso que há no processo de criação artística um desviacionismo, uma omissão essencial. O artista detém-se, concentra o que pode ser dado, e dá. Liberta-se de parte do que nasceu e cresceu em si, de parte do que constitui uma séria ameaça ao seu equilíbrio (que é o seu número, a sua particularidade), e de parte da sua responsabilidade moral(histórica). As outras partes continuam-lhe dentro da carne e da consciência, à espera de vez, e assaltam-lhe o espírito reduzindo-o a uma dualidade impotente. Temos, assim, em vez de comunicação, ersatz. Em vez do acto amoroso, directo e absoluto, imitação do amor, estética. Esta conduziu à simplicidade de grande parte da arte contemporânea, e é o actual estado da lógica artística.
. Contra esta lógica insurge-se a soberania do homem, reclamando, queimando-se à procura de uma expressão de libertação total do pensamento, da concreção do espaço poético, à procura do momento em que o Espírito se une à Forma, repelindo e aniquilando tudo aquilo que o constrange.
. O Poema surgirá então como um acto livre mas não arbitrário. Surgirá como acto do pensamento aberto às determinações superiores do tempo e da natureza, como anunciação de que o ponto central está à vista e com ele o princípio da remissão definitiva de Prometeu.

(1)Para mim o “Sagrado” representa elementarmente uma energia. Não estou a considerar as suas formas sociais, normalmente religiosas e servindo de estrutura à boa ordem da sociedade, mas as suas formas imediatas, individuais, psicológicas por assim dizer. O sagrado, dizia, representa a energia polarizada e, aos olhos do profano, ambígua, onde vibra a essência da Vida.
(2,3,4)in Littérature et le Mal.
(5)(…)”les vrais poèmes semblent vivre une vie entièrement personelle. Ce que nous devons chercher dans un poème, n’est donc pas une reference à quelque chose d’extérieur à lui-même, mais le principe intérieur d’individualité et de vie qui en est l’âme ou la “forme” – Thomas Merton. In Poésie, Simbolisme et Typologie.
(6)André Breton.
(7) “O mito é o nada que é tudo.
......
O corpo morto de Deus
Vivo e desnudo.” (Ulisses, de Fernando Pessoa.)
(8)(...)Jusqu’ici l’humanité n’a conçu qu’un seul mythe de pure exaltation, l’amour sublime, qui partant du coeur même du désir, vise à sa satisfaction totale. C’est donc le cri de l’angoisse humaine qui se métamorphose en chant d’allégresse. Avec l’amour sublime, le merveilleux perd également le carctère surnaturel, extraterrestre ou céleste qu’il avait jusque-là dans tous les mythes. Il revient en quelque sorte à sa source pour découvrir sa véritable issue et s’inscrire dans les limites de l’existentce humaine.(...) Par suite, l’amour sublime s’oppose à la religion, singulièrement au christianisme. C’est pourquoi le chrétien ne peut que réprouver l’amour sublime appelé à diviniser l’être humain. Par voie de conséquence, cet amour n’apparaît que dans les sociétés où la divinité est opposée à l’homme: le christianisme et l’Islam, encore que, dans ce dernier, le poids de la théologie l’ait, dès sa naissance, empêché de s’intégrer à l’être humain. L’amour sublime représente donc d’abord une révolte de l’individu contre la religion et la société, l’une épaulant l’autre.”-Benjamin Péret. In Anthologie de L’Amour Sublime.
Dir-se-ia, à primeira vista, haver na religião uma aspiração ao amor sublime. Mas esta impressão não resiste a uma análise mais demorada. A religião rejeita o objecto humano, fazendo incidir na divindade atributos que pertencem a esse objecto, conferindo-lhe )à divindade) um valor carnal, como é o caso posto em evidência em textos de grandes místicos.
(9) Há uma mística do amor; do amor humano.
(10) Afastada toda e qualquer implicação do enciclopedismo.
(11) De Teixeira de Pascoaes, in Regresso ao Paraíso:
.......
“Eram almas de Poetas
Que tiveram a audácia de fazer
Falar a muda Esfinge;
Que interrogaram Deuses e Fantasmas
E comeram o fruto proibido
Da árvore do Mistério.”
.....
“Vede o homem sonhando; e pelo sonho
Remindo as ermas cousas transitórias,
Concluindo a imperfeita Criação,
Que Deus iniciara...”
...................
“E a árvore da nova Fé
Levanta, para o sol, os ramos verdes;
E na amorável sombra que projecta,
Rebrilham, como estrelas, os dois olhos
Da Cobra tentadora.”

(De notar é que esta última estrofe transcrita é, também, a estrofe com que termina o livro.)
(12) O surrealismo identifica Revolução com Poesia, e veja-se como se empenham, hoje, como se têm empenhado sempre os profissionais do espírito, em proclamar a sua morte, deste; porque tais profissionais têm “força”; porque invadem eles todos os planos da actividade cultural possível; porque o público não tem tempo para ler, e mercadeja os digests que eles servem regularmente; porque o público exige uma arte que torne a existência melhor, mais agradável, que o faça rir, chorar, que eleve a alma, e quer uma filosofia para já, que aponte soluções, que seja “objectiva”, que se possa reduzir a romance, peça de teatro, filme ou colóquio, ao alcançe de quantos cretinos letrados aqui e lá fora aparecem a fazer alarde de uma impudica desnaturação intelectual, de uma vergonhosa impotência...Brilhante desfile de talentos, de habilidades, de domínios, predomínios e condomínios, mais ou menos virtuosísticos dos meios de expressão, de réussites, de “protocolos”,(a expressão é de Kierkegard e envolve a noção de-compromisso(s).) de tudo aquilo, enfim, que de perto ou de longe é produto de uma...intenção artística.

Excerto de Luz Central de Ernesto Sampaio(1935-2000)inserido também na excelente antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa, EDOI LELIA DOURA, organizada por Herberto Helder, Assírio e Alvim, 1985.

[Bibliografia: Luz Central (1957); Para uma Cultura Fascinante (1958); Antologia do Humor Português (1964); A Procura do Silêncio (1986); O Sal Vertido (1988); Fourier (1996); Feriados Nacionais (1999); Ideias Lebres (1999); Fernanda (2000)]

terça-feira, 21 de abril de 2009

Esta coisa da escrita tem estas coisas, e eis-me a transformar isto tudo em poemas contínuos, e já existem muitos lugares na net onde pura e simplesmente se citam poetas e poemas. Interessam-me certo tipo de poemas, certo tipo de poetas, gosto das perguntas que eles fazem com os versos, gosto dos mistérios que descobrem na natureza, gosto como falam com as flores, com os animais, com as nuvens, gosto quando despertam os nossos sentidos, tudo tem uma beleza etérea e indefinida, gosto como eles constroem o humano com estrelas, água, perda, extâse, luz, desejo. O coração de alguns poetas tem um batimento muito musical e encantatório. Uma poeta que descobri recentemente, ontem, perfeitamente sublime e com uma graça raras. A juntar a Milosz, mais um polaco, a senhora Wislawa Szymbroska!

Possibilidades

Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos nas margens do Warta.
Prefiro Dickens a Dostoievski.
Prefiro-me gostando de homens
em vez de estar amando a humanidade.
Prefiro ter uma agulha preparada com linha.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excepções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não os escrever.
No amor prefiro os aniversários não redondos
para serem comemorados cada dia.
Prefiro os moralistas,
que não prometem nada.
Prefiro a bondade esperta à bondade ingénua demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos países conquistadores.
Prefiro ter objecções.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de fadas de Grimm às manchetes de jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães com o rabo não cortado.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que aqui não disse,
a outras tantas não mencionadas aqui.
Prefiro os zeros à solta
a tê-los numa fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo do insecto ao tempo das estrelas.
Prefiro isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.

Tradução: Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves
em Alguns gostam de poesia- Antologia- Czeslaw Milosz e Wislawa Szymbroska, Cavalo de Ferro, 2004

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Meu caro amigo, depois de ler os teus textos magníficos de extâse em Roma, dedico-te este poema de um poeta maior, que capta algo do que nos une na interrogação do mundo, do gosto pela arte em geral, pela arquitectura. Também estive a ver hoje um programa fabuloso no ARTE sobre Pompeia que queres visitar, e isto tudo se encadeia. Grande abraço e obrigado pelos comentários e incentivo existêncial.

AMOR EM AGRIGENTO
(Empédocles em Akragas)

............... É a hora do regresso das coisas,
quando o campo e o mar se cobrem de uma sombra lenta
e, focos, os templos se desvanecem no espaço;
meus passos tremem nesta ilha misteriosa.

................ Recordo-te, com maior formosura
que as divindades aqui antes adoradas;
e com mais espírito, pois vives.
No coração há uma angústia
porque te ama,
e estas velhas colunas nada explicam:

................ Uns olhos ardentes, certa vez, olharam esta terra
e descobriram origens diversas nas coisas,
e notaram que eram enlaçados por espíritos opostos
para que houvesse mudança, e explicar assim a vida.
Esta tarde, com os olhos profundos, descobri a intimidade do mundo:
só com aquele princípio, o que albergava o peito,
estendi o olhar sobre o vale;
mas para existir o universo pede o ódio e a dor,
pois ao olhar o movimento criado das coisas
vi que, num momento, se extinguiam,
e nas coisas o homem.

................ A cidade, elevada, acendeu-se
e os vivos ouvem longos latidos pelo campo:
este é o trânsito da morte, confundindo-se com a vida.
Estas pedras mais nobres, que só o tempo tocara,
não alcançaram ainda o esplendor do teu cabelo
e elas, mais lentas, sofrem também a passagem inexorável.
Sei por ti que vivo em excesso
e esta forte dor da existência
humilha o pensamento.
Repugna hoje ao espírito
tanta beleza misteriosa, tanto repouso doce, tanto engano.

................ Esta cidade será um belo lugar para esperar o nada
se o coração pulsa já com frio,
contemplar o cair dos dias,
desvanecer-se a carne.
Mas hoje, junto aos templos dos deuses,
vejo cair em terra o negro céu
e sinto que é minha vida quem aturde a morte.

Francisco Brines(1932), tradução de José Bento, em Ensaio de uma Despedida, Assírio e Alvim

sexta-feira, 17 de abril de 2009




Com a minha mãe aprendi a gostar de livros, a adoptar as palavras como minha companhia, a descobrir segredos, enquanto o coração batia forte com as emoções de outros, que agora eram eu. Aprendi a gostar de cinema, daquele bailado de luzes e formas, a sentir as imagens a entrar dentro de mim, com a sua luz e magia. Aprendi a olhar para o mundo, como se eu não fizesse parte dele; a estar a salvo da proximidade dos outros, mesmo de algum carinho. Aprendi a apreciar a beleza, a pintura, a escultura, a arquitectura, com aquela tristeza e devoção de quem não poderá tocá-la. Aprendi a esconder a sensibilidade dentro de uma prisão, onde não poderemos receber visitas, mesmo de uma mãe ou de um irmão.

Mas gostava de lhe ter dito: O coração é como um Sol! Não conhece a Sombra, o Horizonte, o Infinito. O amor é como uma estrela, que às vezes, pica-nos, mas o seu brilho é tão intenso como a nossa alma! Queria tê-la libertado, desse sofrimento e angústia de querer tudo e mais aquilo, sem saber bem porquê! Na procura do Amor, de um Abraço, de um Sorriso, que preenchesse o vazio e o esquecimento. E abraçá-la como abraçam as árvores a terra e a lua, e beijá-la como beijam os pássaros as flores e os perfumes e senti-la mais mãe e eu mais filho, naturalmente, e respirar a alegria com um brilho incandescente nos olhos. Queria ter-te conhecido melhor, assim como revelar o que sou, Filhos e Pais tantas vezes surdos, cegos e mudos, construindo cada um o seu castelo de areia ou papel, tanto faz, cercados de muralhas e um mar de Amor que, entretanto, ficou por dar.
.
Agora que estás longe e eu não te posso chegar...
E dizer...
Só através deste sussurrar de sílabas
que rimam com poeira, céu e claridade.
....
Marc Chagall. Cirque, 1967, 43.2x32cm, Litografia, Museu Ermitage

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Caro Eduardo é com grande alegria que ponho aqui a tua cadeira, parabéns, por estares em Milão. Quem estiver interessado poderá visitar o excelente site deste designer promissor. Grande Abraço.




…”Para mim, não existe crise. O que se restringe ao aspecto econômico oculta, na verdade, o que está acontecendo: uma verdadeira mudança de paradigma, que está no fracasso dos valores modernos, de trabalho, racionalismo e futuro. É um momento de transformação fundamental. Trata-se do verdadeiro apocalipse, mas no sentido de revelação e não de ‘apocalíptico’. O que, para mim, fica evidente, é que no lugar do trabalho, o foco é posto sobre a criação; no lugar do racionalismo, a imaginação; no lugar do futuro, é o presente que predomina.”…Michel Maffesoli

Penso que há uma interacção entre o desejo do prazer e aquilo que é uma característica da espécie humana - a agressividade. E que de uma certa maneira, a nossa tradição judaico-cristã baniu ambos. A nossa tradição cristã é uma tradição de assepsia. É também uma tradição que visa domesticar o animal que há em cada um de nós. Vemo-lo na Igreja, mas no século XVIII, com a filosofia das luzes, e no século XIX, com os grandes sistemas sociais, é a mesma coisa. Nestes últimos, que são herdeiros do cristianismo, vemos igualmente a marginalização do prazer, com a valorização do trabalho, e a marginalização da violência, da agressividade, em favor de uma sociedade totalmente "asseptizada", perfeitamente regulada. Tentei mostrar nos meus livros que há actualmente um regresso do prazer, e de formas... não quero dizer agressivas, que é muito forte; de formas cheias de força, na vida social. Tendo em conta isto, considero que a pós-modernidade é o fim da tradição judaico-cristã. E o regresso de coisas que são pagãs, de um verdadeiro paganismo, como tendência que alia esses dois elementos que tínhamos banido.

Toda uma série de práticas como os "piercings", as "rave parties", toda essa efervescência juvenil, são uma caricatura. Sociologicamente, usando um conceito de [Max] Weber, são um ideal-tipo. Penso que as essas jovens gerações, na sua forma paroxística, caricatural, indicam a tendência daquilo que está a começar a libertar-se na nossa sociedade, e é por isso que falo em táctica. Estamos a falar de uma outra relação com o mundo natural - a sensibilidade ecológica parece-me muito importante -, de uma outra relação com o corpo, que deixa de ser simplesmente um corpo de sofrimento, asséptico, para ser um corpo fruível, um corpo de prazer. Todas as minhas propostas podem resumidas numa ideia. A nossa tradição projectou o prazer no futuro: é a "cidade de Deus" de Santo Agostinho, a sociedade perfeita de [Karl] Marx. A fruição fica para mais tarde, é adiada. E, por uma inversão da polaridade, o que está a acontecer é um repatriamento da fruição. Não na sociedade perfeita, não no paraíso longínquo, mas aqui e agora. É interessante ver que essas jovens gerações, que não aprenderam latim, falam do "carpe diem" . Elas são premonitórias.

P.- O que pretende dizer quando fala de um "regresso do sentimento trágico da existência"? É que, em português, trágico está associado à ideia de morte, de fatalidade, de algo que é funesto. É isso?
R.- Um pouco, talvez. Eu faço uma distinção entre as ideias de drama e de trágico, que são muitas vezes utilizadas como se fossem a mesma coisa. De um ponto de vista filosófico, e mesmo semântico, o drama, para mim, é o que caracterizou a grande tradição judaico-cristã, desde o início do cristianismo ao socialismo. Em grego, significa "aquilo que evolui, que chegará a uma solução", ou seja, a uma resolução, a um objectivo, a um sentido, seja ele político, religioso. No fundo, a grande tradição ocidental é dramática. Marx dizia que cada sociedade não se coloca se não os problemas que possa resolver. Quanto ao trágico, é uma aporia, é algo que não tem solução. Enquanto o dramático é cristão, o trágico é pagão. A minha hipótese é que vemos cada vez mais, nessas novas gerações, esse retorno do trágico.
P.- De que forma?
R.- Elas já não buscam a solução, a sociedade perfeita, mas procuram viver o "aqui e agora". Isso comporta uma componente de fatalidade, que tem em conta o destino. Enquanto no dramático negamos a morte, há no trágico uma forma de integração da morte, ou, como eu escrevia num dos meus últimos livros, a "Parte do Diabo", uma homeopatização da morte, uma integração homeopática, uma ritualização da morte. Dou-lhe um exemplo, visível na música gótica, que tanto sucesso faz entre as jovens gerações. Ela integra justamente toda essa parte sombria, toda uma simbólica da morte. O que é preciso observar é que todas as sociedades nas quais domina o festivo, a festa, são sociedades que são trágicas, também. A festa tem uma relação com a morte.

A grande ideia da política, a de nos virarmos para o futuro, já não resulta. E é por isso que eu julgo ser necessário ver qual é a transfiguração, qual é a outra figura. Porque precisamos de viver juntos, de viver na cidade. E é interessante ver que o investimento se faz no que é próximo. A ecologia - não os partidos ecologistas, mas a sensibilidade ecológica - o desenvolvimento de associações locais, do trabalho caritativo. Há toda uma nova socialidade. A mesma coisa para a religião. A religião, enquanto instituição eclesiástica, não funciona. Por oposição, há o desenvolvimento de pequenas tribos religiosas, de seitas, de grupos de oração. Dei uma entrevista ao jornal "Le Monde" sobre os grupos de palavra: de gente que se reúne, fora das instituições, para ler a Bíblia, o Veda hinduísta, textos budistas e outros. Num sincretismo religioso, numa religiosidade ambiental. Mesmo em Paris, há grupos de umbanda, de candomblé.

P.- É por isso que refere no seu último livro que há um retorno à terra, uma "invaginação do sentido", ou noutra expressão sua, o retorno de uma "sensibilidade primitiva"?
R.- Eu coloco-me numa posição de observação. Não tenho a intenção moralista de dizer se isso é bom ou é mau. Apenas constato que, para lá do progressismo que está presente na nossa grande tradição, vemos regressar coisas que acreditamos terem já passado. Quando falo em nomadismo, em tribalismo, quero referir-me a coisas arcaicas. Mas em grego, "arché" significa aquilo que vem primeiro, que é fundamental. E, lá está, uma das características da pós-modernidade é o retorno de todas essas coisas primitivas. Lembramo-nos que somos o animal humano. Depois de termos acentuado o lado humano, vemos regressar o animal. É interessante ver como na publicidade se coloca a atenção sobre a pele, os pelos, as secreções, fenómenos primitivos. Vemos no estilismo, na produção coreográfica, fílmica, pictural, o lado selvagem do homem. O homem que domesticámos, e que volta a ser selvagem. Vou organizar no Brasil, em Novembro, vários colóquios sobre o tema "Pensar o Bárbaro". A ideia é mostrar que há barbárie nas nossas práticas, e que essa barbárie é algo de vivo, que ela pode ser fecundadora.

P.- Como a barbárie que destruiu o Império Romano na sua decadência?
R.- Exactamente. Penso que é um mesmo tipo de período, aquele que vivemos actualmente. Eu comparo muito a nossa pós-modernidade ao fim da decadência romana, com a emergência de uma nova civilização, fecundada pelas invasões bárbaras. E penso que, actualmente, são bárbaras as práticas juvenis.

P.- O que pensa desta [a entrevista decorreu durante as exéquias do papa] mobilização da atenção do mundo para a morte e as exéquias do Papa João Paulo II?
R.- As exéquias do Papa são para mim sociologicamente interessantes de observar. Corroboram exactamente as minhas teses sobre o retorno das emoções em todos os domínios da vida social: na política, no desporto e na vida religiosa. Eu dirijo na Sorbonne o Centro de Pesquisa sobre o Quotidiano, e no meu grupo acompanhamos três jornadas mundiais da juventude [organizadas pela Igreja Católica]. E o que sempre me impressionou é que havia, com efeito, uma grande emotividade, mas não em torno do conteúdo do discurso papal. O que importava ali não era o conteúdo, mas o orador. O Papa tinha a capacidade de congregar os jovens, de uma maneira de facto espectacular, mas não em torno da doutrina, porque o que ele dizia não era escutado. Entrava por um lado e saia pelo outro. Mas ao mesmo tempo, esta jovem geração estava fascinada pela possibilidade de estar em conjunto.

P.- Ele tinha essa capacidade de agregar...
R.- Sim. Era, em termos sociológicos, o que [Max] Weber designava por figura carismática. E esta palavra é muito interessante, se reflectirmos nela, porque vem de uma expressão grega que significa "aquilo que cola". Um chefe carismático é aquele que "cola" as pessoas à sua volta. Pode ser um jogador de futebol, como Ronaldo ou Ronaldinho, pode ser um papa, um cantor. Mas, para lá do Papa, a minha perspectiva, há muito tempo, é que a pós-modernidade vê regressar já não a razão, mas a emoção. O termo "emocional" é um neologismo. Não é uma categoria psicológica, como "emotivo". Designa uma ambiência.

P.- A igreja entende essa mudança na religiosidade das pessoas?
R.- Não sei. Os cardeais representam o aspecto institucional da Igreja. E eu creio que a Igreja, enquanto instituição, não tem futuro. Houve, com o Papa Paulo VI [em cujo pontificado se realizou o Concílio Vaticano II], para a Igreja Católica, um fogo-de-artifício. Mas o próprio do fogo-de-artifício é ser efémero. É muito ruidoso, mas não tem consequências. De uma certa maneira, sociologicamente, eu penso que não há verdadeiro futuro para todas as instituições, sejam elas quais forem, inclusivamente as eclesiásticas. Por oposição, e essa é uma característica da pós-modernidade, vão-se desenvolver formas de religiosidade, sem um conteúdo preciso. Incluem a teatralidade em volta da morte de um papa e da eleição do sucessor, mas como já acontece em muitas cidades, envolvem aspectos do budismo, das técnicas orientais, do candomblé brasileiro, do umbanda [cerimonial afro-brasileiro]. Numa palavra, esta religiosidade é um sincretismo. Já não temos uma concepção racional e racionalista do mundo, e há uma procura do espiritual. Mas de uma espiritualidade que é uma mestiçagem. E que coloca, muito precisamente, a tónica numa ambiência.
P.- Isolados na Capela Sistina, essa ambiência escapa aos cardeais...
R.- Os cardeais são os "aparatchik", os tecnocratas da Igreja institucional, que na maior parte do tempo têm mentalidade de funcionários. É impossível que estejam atentos. Mas não por culpa de cada um deles. Não está em causa a qualidade de cada um como pessoa. São muito inteligentes, espirituais. Mas, num certo momento, uma instituição deixa de estar em sintonia com a realidade social. Mas é preciso alargar a minha proposta. E penso que também a instituição política deixou de estar em sintonia com a realidade social. Tal como a instituição académica. É um problema geral. Texto de Abel Coentrão no Jornal Público, 2005.

"Quand on regarde l’histoire humaine, il y a deux formes de socialisation. Il y a l’éducation à la base d’"educare" qui veut dire "tirer" : c’est exigeant, demandant d'autodiscipline – tout ce que vous avez indiqué – et ça ne me paraît plus correspondre à l’esprit du temps. Et il y a une autre manière de socialiser, c’est l’initiation. Moi, je dirais que c’est l’éducation qui est moderne. L’initiation était pré-moderne et, peut-être, sera post-moderne. Qu’est-ce que l’initiation ? L’initiation, à la différence de l’éducation, ne postule pas qu’il n’y ait rien dans l’esprit de celui qui est en face de moi, de l’auditeur. On postule qu’il y a quelque chose et que je vais accompagner, faire ressortir le trésor, en quelque sorte, de cette personne qui est en face de moi, alors que l’éducation considère qu’il y a un vide que je dois remplir, et ça ne marche plus en raison de cette différentiation : il y a une culture musicale, une culture artistique, une culture existentielle qui ne correspondent plus à la culture officielle... Alors, si je résume, à mon avis : crise de l’éducation en général, et de l’éducation universitaire en particulier. Et puis, on peut espérer, émergence de la structure initiatique qui va prendre au sérieux les cultures spécifiques : musicales, esthétiques, existentielles. L’accent d’initiation est mis sur l’expérience et sur la vie, alors qu’actuellement, l’éducation universitaire méprise l’expérience, méprise la vie. C’est ça qui est le problème grave, mortifère. " de uma entrevista de Michaela Fiserova completa aqui

Ler também um excelente texto de Eduardo Portanova Barros aqui

Michel Maffesoli (1944) é um sociólogo francês, considerado como um dos fundadores da sociologia do quotidiano e conhecido pelas suas análises sobre a pós-modernidade, o imaginário e, sobretudo pela popularização do conceito de tribo urbana.





quarta-feira, 15 de abril de 2009

Depois de ver o belo filme com Patti Smith, Dream of Life, em que os afectos aparecem na sua forma mais expontânea e real, não mascarados de poses artísticas, antes pelo contrário, sobressai uma normalidade e uma certa serenidade guiadas pelo amor mais simples e genuino, pela música, pelas pessoas, pela poesia...É a respirar que se sonha e se vive, com o sangue sempre a correr, de abraço em abraço. A força que nos une a todos: o amor.

Song

The weight of the world
is love.
Under the burden
of solitude,
under the burden
of dissatisfaction

the weight,
the weight we carry
is love.

Who can deny?
In dreams
it touches
the body,
in thought
constructs
a miracle,
in imagination
anguishes
till born
in human-
looks out of the heart
burning with purity-
for the burden of life
is love,

but we carry the weight
wearily,
and so must rest
in the arms of love
at last,
must rest in the arms
of love.

No rest
without love,
no sleep
without dreams of love-
be mad or chill
obsessed with angels
or machines,
the final wish is love -
cannot be bitter,
cannot deny,
cannot withhold
if denied:

the weight is too heavy

-must give
for no return
as thought
is given
in solitude
in all the excellence
of its excess.

The warm bodies
shine together
in the darkness,
the hand moves
to the center
of the flesh,
the skin trembles
in happiness
and the soul
comes joyful to the eye-

yes, yes, that's what
I wanted,
I always wanted,
I always wanted,
to return
to the body
where I was born.

Allen Ginsberg, San Jose, 1954

domingo, 12 de abril de 2009


Gosto especialmente da última frase deste texto: estar inocente do tempo. Dá-me uma sensação de infinito incrivelmente extensa. Quando meditamos, não existe princípio nem fim, e assim irá continuar, por a vida ser esse êxtase, esse espanto constante com o que nasce e o que se cria. O que somos está em constante transformação e renovação. Não existe tempo nem valor na profundidade do ser.
....
A meditação é o movimento do amor. Não é o amor de um só ou de muitos. É a água que brota, inesgotável, e que qualquer pessoa pode beber, por um jarro qualquer, seja ele de ouro ou de barro. E acontece uma coisa singular, que nenhuma droga ou auto-hipnose pode fazer acontecer: a mente como que entra em si mesma, começando à superfície e penetrando sempre mais profundamente - até que profundidade e altura perdem o seu significado e toda a forma de medida cessa. Neste estado há completa paz – não um contentamento que surge como uma recompensa – mas uma paz que é ordem, beleza e intensidade. Pode ser destruída – tal como se pode destruir uma flor – e, contudo, devido à sua subtileza e ausência de rigidez, ela é indestrutível. Esta meditação não pode ser aprendida de outrem. Temos de começar sem nada saber sobre ela, e de ir sempre de inocência em inocência.
....
É um êxtase que dá aos olhos, ao cérebro e ao coração, a qualidade da inocência. Se não vemos a vida como algo totalmente novo, ela torna-se uma enfadonha monotonia, uma rotina sem sentido. A meditação abre a porta ao incalculável, ao imenso.
....
Meditar é estar inocente do tempo.
....
Krishnamurti, em Meditações, Editorial Presença

sábado, 11 de abril de 2009


às vezes temos a solidão como companhia,
e a noite brilha quando a escuridão é um Sol.

domingo, 5 de abril de 2009

Das Plateau, 2008, 210 x 300 cm, Courtesy David Zwirner Gallery
Hoje em passeio pelo jardim da estrela, lugar que guarda ainda uma certa pureza e onde as pessoas aproveitam para conviver umas com as outras, em geral para os filhos brincarem, os adultos vão conversando e usufruindo desses imensos tons de verde, brisas de falares vários, pássaros que nos observam, côres que caminham e rebolam, artistas artesãos que mostram as suas peças originais e únicas, alguém(Maia Horta, pintora), que conheci ali, fala-me em Neo Rauch(1960, Leipzig) e eu encolhendo os ombros de desconhecimento, mas agora, contente por descobrir este interessante pintor.

Gold 2003, 250 x 210 cm. Courtesy David Zwirner Gallery

Der Garten des Bildhauers 2008, 300x420cm. Courtesy David Zwirner Gallery

quinta-feira, 2 de abril de 2009


Funchal, 1 de Abril 2009
Os pássaros também podem ser sementes de estrelas no coração do céu.
Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca

foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

Maria do Rosário Pedreira
Nenhum Nome Depois (2005), Gótica, p. 11

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Acordei às 5h, às vezes acontece, e para não variar senti a falta de um grande abraço. Não o abraço do mundo que encontro nos livros, nos pássaros e nas flores, mas um abraço de carne e osso, com respiração dentro. Às vezes perco o coração por todas as coisas que gosto, se calhar porque gosto de coisas que não fazem nada dentro do meu coração, são meros aconchegos intelectuais disfarçados de palhaços feliz. Tantos filmes, livros, quadros, espectáculos, música, guardados dentro do meu coração, e eis que quando preciso de um abraço de carne e osso, cai tudo no chão, tal a desarrumação. Vou tentar fazer uma arrumação, esta coisa de nos emocionarmos com tudo e mais alguma coisa faz com que, quando precisamos de um abraço de carne e osso com respiração dentro, o nosso coração, não sabendo onde ele estará, pare, à espera que a cabeça diga o que fazer. E a cabeça está sempre a pensar em várias coisas ao mesmo tempo, não é capaz de parar um bocadinho, e deixar o coração pensar. Até parece que as emoções estão na cabeça! Mas um abraço não se dá com a cabeça, além de que a nossa cabeça não é uma coisa bem nossa, somos vários. O coração sim, é singular, assim como os abraços que se dão e se recebem. Por isso, hoje acordei a querer ser eu, em carne e osso, com coração dentro, e por isso, desejei tanto um grande abraço de carne e osso, com coração dentro, e respirar.