sábado, 29 de maio de 2010

"Não existe uma resposta única para as grandes questões da vida. Não existe uma forma única de pensar." Esta frase até parece um comentário ao meu anterior post.
Tenho falado muito de arquitectura, e sinto, e isto se calhar é um defeito geral em mim, que o que escrevo e transcrevo neste blogue, traz uma carga de soberba e de algum desprezo por outras maneiras de pensar. Na verdade, sou um adepto ferrenho da diversidade, da imaginação e da ironia. Talvez a ironia seja uma forma de altivez intelectual, mas também, uma atitude de defesa do menos consistente. Se não conseguimos nos rir de nós próprios, alguma insegurança queremos esconder. Não quer dizer que quem tenha essa ironia, não seja inseguro. Quando falo de uma ideia de arquitectura, não falo de uma somente, mas sim das ideias bases que temos de saber, para que possamos ter as nossas próprias ideias. Não adianta saber muitas receitas de cozinha, e depois não sabemos acender o lume, o que é um tacho, uma colher de pau, ou um escorredor. Saber o básico é fundamental. Também me podem dizer que o básico de uns não será o básico de outros, mas quando falo de básico, da tal ideia, é algo completamente basilar e estruturante. O que fazemos depois, é o nosso caminho individual. Mas se calhar estou enganado, tudo é caminho individual, não existe nada que possamos aprender de estruturante.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Tenho andado cheio de trabalho, o que me afasta da escrita.
A leitura deambula agora por um livro belíssimo e entusiasmante:
Seis propostas para o novo milénio de Italo Calvino, editorial Teorema.
Às vezes pergunto-me onde vão as pessoas buscar inspiração e fantasia para as suas vidas.

Calvino a certa altura confessa:"Por que razão sinto eu a necessidade de defender valores que a muita gente poderão parecer óbvios? Creio que o meu primeiro impulso provém de uma hipersensibilidade ou de um alergia: parece-me que a linguagem se usa sempre de maneira aproximativa, casual, descuidada, e isso provoca-me um aborrecimento intolerável." e mais à frente, "Às vezes parece-me que uma epidemia pestífera atingiu a humanidade na faculdade que mais a caracteriza, ou seja, o uso da palavra, uma peste da linguagem que se manifesta como perda de força cognitiva e de imediatismo, como um automatismo com tendência para nivelar a expressão nas fórmulas mais genéricas, anónimas e abstractas, para diluir os significados, para embotar os pontos expressivos, para apagar toda a centelha que crepite do encontro das palavras com novas circunstâncias."
"E acrescentarei que não é só a linguagem que me parece atingida por esta peste. Também as imagens, por exemplo. Vivemos debaixo de uma chuva ininterrupta de imagens, os mais poderosos media não fazem senão transformar o mundo em imagens e multiplicá-lo através de uma fantasmagoria de jogos de espelhos: imagens que em grande parte estão privadas da necessidade interna que deveria caracterizar toda a imagem, como forma e como sigificado, como força de se impor à atenção, como riqueza de significados possíveis. Grande parte desta nuvem de imagens dissolve-se imediatamente, tal como os sonhos que não deixam marcas na memória; mas não se dissolve uma sensação de estranheza e mal-estar."
"Mas talvez a inconsistência não esteja só nas imagens ou só na linguagem: está no mundo. A peste também atinge a vida das pessoas e a história das nações, toma todas as histórias informes, casuais, confusas, e sem pés nem cabeça. O meu mal-estar é pela perda de forma que constato na vida, e a que tento opor a única defesa que sou capaz de conceber: uma ideia da literatura"

Perda de forma. Perda da necessidade interna. Algumas ideias a reter, também pelo arquitecto. Confesso que gostaria de um dia ser professor de arquitectura para transmitir, como Calvino, uma ideia da arquitectura. Garanto-vos que os meus alunos saberiam ter bem dentro deles, uma ideia, uma centelha da grande arquitectura.

sexta-feira, 21 de maio de 2010





Colégio dos Jesuítas, Universidade da Madeira, R. dos Ferreiros, Funchal
A arquitectura é uma arte maravilhosa e deslumbrante quando consegue perdurar no tempo, e de cada vez que a admiramos, sentirmos aquele prazer sempre regenerador, perante o belo.
Aqui os Arquitectos, meus amigos Rui Campos Matos e Vasco Marques, meus mestres (é sempre bom aprender com alguém que domina a arte), deixaram-nos uma intervenção digna de ombrear com os mestres antepassados, com algumas referências na abordagem, a Carlo Scarpa e aos seus projectos de reabilitação em Veneza. A paixão pelo pormenor, a escolha dos materiais, o domínio da escala, a perfeita compreensão e integração histórica, não por qualquer mimetismo, mas sim pela sua capacidade em fazer arte. Todo o projecto é uma pequena jóia perfeita. A patine do tempo começa a intervir como veículo de criação e mutação estéticos. Como arquitecto ainda tenho muito a aprender, e tomara já ter feito um projecto que perdurasse nos sentidos e encaixasse tão delicadamente na sua beleza, num lugar. Parabéns!
Para conhecer mais veja Cmarq.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A ler "L'entraînement de l'esprit et l'apprentissage de la bienviellance de Chogyam Trungpa", sobre o texto base dos Sete pontos para o treino da mente de Chekawa Yeshé Dorjé(1101-1175) baseado nas afirmações do grande mestre Atisha, nascido em 982, e nos comentários de Jamgon Kongtrul, o grande. Pensei em pôr aqui algumas afirmações (e são 59), mas teria de transcrever o comentário, o que iria tornar a leitura algo extensa.
Algumas são: 31.Não digas mal dos outros. 33.Não leves as coisas até um ponto doloroso.Não golpeis na fraqueza. 59. Não esperes por elogios.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Uma certa amargura, uma certa acidez.
O importante é continuar o meu caminho.
Encher-me de alegria e energia positiva,
e deixar fluir, sem forçar, sem ilusão.

segunda-feira, 10 de maio de 2010


Capela Bruder-Klaus, Mechernich, Alemanha
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Zumthor neste seu livro tenta expôr as ideias que ele entende serem condutoras da qualidade arquitectónica (a qualidade vê-se quando as obras nos tocam) e do processo que ele próprio segue na criação da tal "atmosfera"nos seus projectos.
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1. O corpo da arquitectura
A presença material dos objectos de uma arquitectura, da construção.O que considero o primeiro e maior segredo da arquitectura, é que consegue juntar as coisas do mundo, os materiais do mundo e criar este espaço. Porque para mim é como uma anatomia. Tal como nós temos o nosso corpo com uma anatomia e coisas que não se vêem, uma pele...etc. Assim funciona a também a arquitectura e assim tento pensá-la
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2. A consonância dos materiais
Colocamos coisas de forma concreta, primeiro mentalmente, depois na realidade, evemos como reagem umas com as outras! Os materiais soam em conjunto e irradiam, e é desta composição que sai algo único. Existe uma proximidade crítica entre os materiais que depende dos próprios materiais de do seu peso
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3. O som do espaço
Oiçam! Cada espaço funciona como um instrumento grande, colecciona, amplia e transmite os sons. Isto tem a ver com a sua forma, com a superfície dos materiais e com a maneira como estão fixos. O som do espaço, o que primeiro me vem à cabeça são os sons de quando era criança, os barulhos da minha mãe a trabalhar na cozinha. Estes sempre me fizeram feliz. Acho muito bonito construir edifício e pensá-lo a partir do silêncio. Ou seja, fazê-lo calmo, o que é difícil, porque o nosso mundo é tão barulhento.
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4. A temperatura do espaço
Acredito que cada edifício tem uma certa temperatura. O facto de que os materiais retiram mais ou menos do nosso calor corporal é conhecido. Mas ao falar disto ocorre-me a palavra temperar. É semelhante a temperar pianos, ou seja, encontrar o ambiente certo. No sentido literal e figurativo. Quer dizer que a temperatura é física e provavelmente também psíquica. O que vejo, o que sinto, o que toco, ... mesmo com os pés.
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5. As coisas que me rodeiam
Acontece-me sempre que entro em edifícios, nas salas de alguém, amigos, conhecidos ou pessoas que não conheço, ficar impressionado com as coisas que eles têm no seu espaço de habitar ou de trabalhar. E, às vezes, não sei se conhecem esta sensação, constato uma forte relação, e amor, e cuidado, onde algo conjuga.Perguntei-me se terá sido tarefa da arquitectura criar o invólucro para receber estes objectos?
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6. Entre a serenidade e a sedução
Isto tem a ver com o facto de nós nos movimentarmos dentro da arquitectura.Ou seja, imagino como nos movimentamos neste edifício, e aí vejo os pólos de tensão com os quais gosto de trabalhar. Por exemplo, um corredor de hospital: condução. Mas existe também o seduzir (...). Espaços - aqui estou, eles começam a reter-me espacialmente, não estou de passagem. Estou bem aqui, mas neste momento ao virar a esquina, há algo que desperta a minha atenção, a luz que entra de certa maneira (...) E assim me encontro numa viagem de descoberta. Conduzir, seduzir. Largar, dar liberdade.
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7. A tensão entre interior e exterior
Na arquitectura retiramos um pedaço de globo terrestre e colocamo-lo numa pequena caixa. E de repente existe um interior e um exterior. Estar dentro e estar fora. Fantástico. E isto implica outras coisas igualmente fantásticas: soleiras, passagens, pequenos refúgios, passagens imperceptíveis entre interior e exterior, uma sensibilidade incrível para o lugar, uma sensibilidade incrível para a concentração repentina, quando este invólucro está de repente à nossa volta e nos reúne e segura, quer sejamos muitos ou apenas uma pessoa.
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8. Degraus da intimidade
Não sei muito sobre este tema, como vão rapidamente reparar. Relaciona-se com a proximidade e a distância. Um arquitecto clássico diria escala. Mas isso soa muito académico (...). Conhecem aquela porta alta estreita onde toda a gente fica bem? Conhecem esta porta mais larga, sem interesse, deselegante? Conhecem os portais grandes e intimidadores, onde só quem os abre fica bem e orgulhoso? Ou seja, o tamanho, a massa e o peso das coisas. A porta fina e a porta grossa. O muro grosso e o muro fino.
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9. A luz sobre as coisas
Uma das ideias favoritas é a seguinte: pensar o edifício primeiro como uma massa de sombra e a seguir, como num processo de escavação, colocar luzes e deixar a luminosidade infiltrar-se. A segunda idéia preferida é colocar os materiais e superfícies, propositadamente à luz e observar como refletem. Tenho de admitir que a luz do dia, a luz sobre as coisas me toca de uma forma quase espiritual. De manhã, quando o sol renasce – o que não deixo de admirar, é mesmo fantástico, volta todas as manhãs - e ilumina as coisas, surge então esta luz que não parece vir deste mundo! Não percebo esta luz. Tenho a sensação de que existe algo maior, que eu não percebo. Estou muito contente, estou inteiramente grato que isto exista.
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anexo 1. A arquitectura com espaço envolvente
Em suma, admito que provavelmente tudo se relaciona um pouco com o amor. Amo a arquitectura, amo os espaços envolventes construídos e acho que amo quando as pessoas os amam também. Devo admitir que me daria muito gozo criar coisas que os outros amem.
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anexo 2. Harmonia
É mais uma sensação. As coisas encontraram-se, estão em si. Porque são o que querem ser. O facto de ela ser uma arte para ser utilizada, é a tarefa mais nobre da arquitectura. Mas o mais belo é quando as coisas se encontram, quando se harmonizam. Formam um todo. O lugar, a utilização e a forma.
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anexo 3. A forma bonita
A forma bonita. Encontro-a talvez em ícones, reconheço-a por vezes em naturezas mortas, que me ajudam a ver como algo encontrou a sua forma, mas também nas ferramentas do dia-a-dia, na literatura e nas peças musicais
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em Peter Zumthor, Atmosferas, Editora Gustavo Gili, 2006


Peter Zumthor, Capela de S.Bento, Sumvitg, Suiça

Ontem a vaguear por uma livraria, sem rumo, como gosto de fazer, vejo um livro de Peter Zumthor, capa azul escura, abro, contém textos, ideias de arquitectura, coisas assim para o poético e o para o olhar sensível e o sentido do olhar, sentido como sentir, tocar com a alma e o corpo, ser tocado, ser alvejado pela seta do arquitecto, cúpido do espaço íntimo e público.

Depois vejo "Atmosferas", este um livro todo feito para um arquitecto babar, capaz de me fascinar, de me fazer viajar por vários pensamentos e emoções. Bruscamente, sinto-me próximo da profissão de arquitecto, daquilo que sou na verdade e nunca o quis assumir, por estar à espera de um reconhecimento de outrem, invisível, improvável. O reconhecer tem de partir de mim, e parece que só agora me vejo obrigado a não ser indiferente ao que sou. Às vezes, parece que nunca queremos ser o que somos, por timidez, medo do fracasso, pelo caminho de não retorno a um estado que se quer permanente embrionário, de criação, sedução e de deslumbramento. Mas o arquitecto também cria o amor, na sua comunhão plena com o universo e a vida. A arquitectura, como diz Zumthor, também é sensual e carnal, é um corpo constituído por orgãos e funções. Atrae-me o germinar de uma obra, como se desenrola, que factores influênciam, naquele momento, a sua feitura, o que nos faz seguir por um caminho e não por outros. Como um enigma que se tem de descodificar. Não bastam as ideias, e muitas vezes elas são feitas de perguntas, que apalpam, cheiram, imaginam o espaço. Tentam respirar e ter uma pele, depois um pulsar e por fim um movimento, silencioso ou sonoro, de expiração e inspiração, do exterior para o interior, e do interior para o exterior.

domingo, 2 de maio de 2010

Serra d'água, 1 de Maio 19.50h
Seixal, 1 de Maio 20.40h