sexta-feira, 28 de maio de 2010

Tenho andado cheio de trabalho, o que me afasta da escrita.
A leitura deambula agora por um livro belíssimo e entusiasmante:
Seis propostas para o novo milénio de Italo Calvino, editorial Teorema.
Às vezes pergunto-me onde vão as pessoas buscar inspiração e fantasia para as suas vidas.

Calvino a certa altura confessa:"Por que razão sinto eu a necessidade de defender valores que a muita gente poderão parecer óbvios? Creio que o meu primeiro impulso provém de uma hipersensibilidade ou de um alergia: parece-me que a linguagem se usa sempre de maneira aproximativa, casual, descuidada, e isso provoca-me um aborrecimento intolerável." e mais à frente, "Às vezes parece-me que uma epidemia pestífera atingiu a humanidade na faculdade que mais a caracteriza, ou seja, o uso da palavra, uma peste da linguagem que se manifesta como perda de força cognitiva e de imediatismo, como um automatismo com tendência para nivelar a expressão nas fórmulas mais genéricas, anónimas e abstractas, para diluir os significados, para embotar os pontos expressivos, para apagar toda a centelha que crepite do encontro das palavras com novas circunstâncias."
"E acrescentarei que não é só a linguagem que me parece atingida por esta peste. Também as imagens, por exemplo. Vivemos debaixo de uma chuva ininterrupta de imagens, os mais poderosos media não fazem senão transformar o mundo em imagens e multiplicá-lo através de uma fantasmagoria de jogos de espelhos: imagens que em grande parte estão privadas da necessidade interna que deveria caracterizar toda a imagem, como forma e como sigificado, como força de se impor à atenção, como riqueza de significados possíveis. Grande parte desta nuvem de imagens dissolve-se imediatamente, tal como os sonhos que não deixam marcas na memória; mas não se dissolve uma sensação de estranheza e mal-estar."
"Mas talvez a inconsistência não esteja só nas imagens ou só na linguagem: está no mundo. A peste também atinge a vida das pessoas e a história das nações, toma todas as histórias informes, casuais, confusas, e sem pés nem cabeça. O meu mal-estar é pela perda de forma que constato na vida, e a que tento opor a única defesa que sou capaz de conceber: uma ideia da literatura"

Perda de forma. Perda da necessidade interna. Algumas ideias a reter, também pelo arquitecto. Confesso que gostaria de um dia ser professor de arquitectura para transmitir, como Calvino, uma ideia da arquitectura. Garanto-vos que os meus alunos saberiam ter bem dentro deles, uma ideia, uma centelha da grande arquitectura.

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