segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Estamos sós com tudo aquilo que amamos.
.
Novalis
O mundo é resultado de um acordo infinito e a nossa própria pluralidade interior é o fundamento da nossa concepção do mundo.
.
Os sentidos são para os animais o que as folhas e flores dáo para as plantas. As flores são alegorias da consciência ou da cabeça. Uma suprema propagação é o objectivo desta superior floração, uma conservação superior. Nos seres humanos isso é o orgão da imortalidade, de uma propagação progressiva da personalidade.
.
Os nossos sentidos são animais superiores. De dentro, nasce um animalismo ainda mais superior.
.
Os nervos são ´raízes superiores dos sentidos.
.
Qualquer sentido interior é um sentido para um sentido.
.
É necessário que o sistema da moral se torne sistema da Natureza. Todas as doenças se assemelham ao pecado, nisto são transcendência. Todas as nossas doenças são fenómenos de uma sensação elevada que se quer transformar em forças mais elevadas. Como o Homem se queria tornar Deus, ele pecou. - As doenças das plantas são animalizações, as doenças dos animais são racionalizações, as doenças dos minerais são vegetalizações. Será que a cada planta não corresponderá uma pedra e um animal? - As plantas são pedras mortas, os animais são plantas mortas.
.
Novalis, Fragmentos de Novalis em selecção de Rui Chafes. Assírio e Alvim, 1992
Muito haveria a dizer sobre as coisas injustas ou aquelas que não compreendemos neste mundo.
Conhecer pressupôe esquecer. O que será conhecer antes de saber que se conhece?
.
Não posso criticar os outros por serem assim ou assado, por sentirem desta ou daquela maneira, por exprimirem com profundidade ou sem ela.
Tudo tende para o vazio e para o inexplicável.
.
A poesia respira.
A pintura divaga.
A arquitectura personifica.
.
Amar é comungar com o infinito.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um pequeno interregno na escrita, nas fotos aqui colocadas. Tenho andado pelo facebook a pôr músicas que gosto e descubro, e dando-as a conhecer a outros. Coisa que contagiou outro amigo meu o José, que tem andado entusiasmadíssimo a pôr coisas nada habituais nestes meios, e extremamente estimulantes. É sempre bom sentir as pessoas a usufruirem de sentimentos e inteligência de outros, e a deitarem cá para fora o seu mundo.
O Jorge conheci-o no facebook, e encontrei um amigo natural e cúmplice. Um poema seu. Da sua Luz. Obrigado Jorge.
.
Piazza S. Marco
.
A sabedoria é para os barcos
sob as pontes da noite,
a alma, o oiro.
Aqui dormiria, à distância singular
de um beijo, um lençol de água,
um travesseiro de cuidada pedra.
Outras coisas da infância, mas devagar, outros corpos a penumbra percorrendo,
a poeira da luz espiando os sapatos, a navalha chamuscada.
.
Também eu herdei a perigosa ilusão
da bicicleta, um silêncio
danado por mulheres, pelo ardor cristalino do álcool,
no limbo mais rasgado do mundo;
o segredo tão natural da pintura
na profecia azul dos mosaicos,
no carvão amargo da noite;
certos vestígios pelo tráfico outrora florescente:
sedas, frutos, tabaco, pequenos tesouros,
caixinhas de laque, sandálias
gastando, dia após dia, a mágoa.
.
Que posso fazer pelas pedras desta praça senão
cobri-las de aves, trapos, moedas
e pela poalha do crepúsculo seduzir os vitrais,
os óleos santos, o sândalo, o bolor intenso das paredes?
Cambiar a chuva pelos claustros do vento, o vidro
de oficiante fogo, comoem Murano a família Barelli?
.
Que poderei comprar para o vazio
deste anoitecer? um pouco do meu sol?
daquele mar, um punhado de areia?
.
Jorge Velhote