quarta-feira, 30 de junho de 2010

« On est devenu soi-même imperceptible et clandestin dans un voyage immobile. Plus rien ne peut se passer, ni s'être passé. Plus personne ne peut rien pour moi ni contre moi. Mes territoires sont hors de prise, et pas parce qu'ils sont imaginaires, au contraire : parce que je suis en train de les tracer. Finies les grandes ou les petites guerres, toujours à la traîne de quelque chose. Je n'ai plus aucun secret, à force d'avoir perdu le visage, forme et matière. Je ne suis plus qu'une ligne. Je suis devenu capable d'aimer, non pas d'un amour universel abstrait, mais celui que je vais choisir, et qui va me choisir, en aveugle, mon double, qui n'a pas plus de moi que moi. On s'est sauvé par amour et pour l'amour, en abandonnant l'amour et le moi. On n'est plus qu'une ligne abstraite, comme une flèche qui traverse le vide. Déterritorialisation absolue. On est devenu comme tout le monde, mais à la manière dont personne ne peut devenir comme tout le monde. On a peint le monde sur soi, et pas soi sur le monde. »

Mille Plateaux, Gilles Deleuze et Felix Guattari, Editions du minuit, 1980

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Seul

On est deux mon amour
Et l'amour chante et rit
Mais à la mort du jour
Dans les draps de l'ennui
On se retrouve seul

On est dix à défendre
Les vivants par des morts
Mais cloués par leurs cendres
Au poteau du remords
On se retrouve seul

On est cent qui dansons
Au bal des bons copains
Mais au dernier lampion
Mais au premier chagrin
On se retrouve seul

On est mille contre mille
A se croire les plus forts
Mais à l'heure imbécile
Où ça fait deux mille morts
On se retrouve seul

On est million à rire
Du million qui est en face
Mais deux millions de rires
N'empêchent que dans la glace
On se retrouve seul

On est mille à s'asseoir
Au sommet de la fortune
Mais dans la peur de voir
Tout fondre sous la lune
On se retrouve seul

On est cent que la gloire
Invite sans raison
Mais quand meurt le hasard
Quand finit la chanson
On se retrouve seul

On est dix à coucher
Dans le lit de la puissance
Mais devant ces armées
Qui s'enterrent en silence
On se retrouve seul

On est deux à vieillir
Contre le temps qui cogne
Mais lorsqu'on voit venir
En riant la charogne
On se retrouve seul.

Jacques Brel

http://www.dailymotion.com/video/x33ivw_jacques-brel-seul_music

sábado, 19 de junho de 2010



Agora com as atenções voltadas para a África do Sul, lembrei-me da história fantástica do ajudante do Dr.Barnard, no primeiro transplante de coração.

HAMILTON NAKI - O CIRURGIÃO CLANDESTINO

Hamilton Naki, um negro sul-africano, nasceu em 26 de Junho de 1926 em Ngcingane, no Eastern Cape (Cabo Oriental). Filho de uma família muito pobre, apascentava os bois antes e depois das aulas, na escola da aldeia. Aos 14 anos abandonou os estudos e foi para a cidade do Cabo á procura de trabalho. Conseguiu emprego na escola médica do célebre” Groote Schur Hospital”.Começou a trabalhar como ajudante de jardinagem, limpezas de canis e instalações de animais empregues em experiências científicas.
Enfim um faz-tudo, que ia aproveitando sempre que podia para ver como actuavam os médicos e outros cientistas que trabalhavam nessas experiências de transplantes em animais.Ele próprio dizia a brincar “que roubava as informações com os olhos”.
Um dia Robert Goetz, responsável pelo laboratório, ao operar uma girafa, pediu-lhe para o ajudar. Para sua para surpresa, além dessa simples tarefa, Hamilton Naki demonstrou uma enorme maestria em outros procedimentos cirúrgicos mais complexos, incluindo suturas, anestesias e cuidados pós-operatórios.
Apesar da ausência de estudos formais, as suas capacidades foram sendo reconhecidas, recebendo, uma autorização especial para continuar os seus trabalhos, incluindo mesmo a prática de transplantes em animais. Sempre que tinha horas vagas, aproveitava para ir lendo e estudando os manuais médicos.
Um dia o Doutor Christian Barnard, reconhecendo a excepcional habilidade e conhecimentos de Hamilton Naki, requisitou-o para a sua equipa, embora legalmente o regime do apartheid não permitisse um negro, trabalhar como médico de seres humanos. No entanto seu desempenho era tão hábil e competente, que em breve se tornou o número dois dessa equipa que em 3 de Dezembro de 1967, fez o primeiro e mais célebre transplante de um coração.
Foi ele que nessa qualidade, procedeu á extracção do coração de Dennise Darvall, uma jovem que tinha sofrido um acidente automóvel, ao atravessar a rua para ir comprar um bolo.
Este facto foi sempre ocultado pelo regime vigente do apartheid. Na versão oficial, teriam sido Marius Barnard, irmão de Christian Barnard e Terry O’Donovann que o realizaram, mas na realidade, foi Hamilton Naki quem teve a responsabilidade e a competência necessária, para extrair do coração todo o vestígio de sangue e mantê-lo a trabalhar por meio de dois eléctrodos e finalmente definir o momento para bombear o sangue novo, fazer o coração recomeçar a palpitar, agora no peito de Louis Washkanky.
O Dr. Barnard sabia que podia confiar nele.
Foram as mãos de um negro, que extraíram o coração do cadáver de um branco e o preparou tecnicamente para o transplante, em consequência do qual, ficou celebre o Dr. Christian Barnard. Nada do que este fez, foi mais exigente e hábil do que o trabalho feito por Hamilton Naki.
Esta operação, pioneira em cirurgia de coração aberto e de uma enorme delicadeza e complexidade, permitiu que o doente transplantado, sobrevivesse. Infelizmente faleceu de uma pneumonia 18 dias depois, mas com um coração que batia fortemente.
O êxito desta operação teve na época uma incrível repercussão e deu uma extraordinária reputação ao Dr. Barnard, jovem, bonito e fotogénico, que os “midia” tornaram numa reputada "estrela", visitado com frequência por famosos da época, entre os quais a célebre estrela do cinema Sofia Loren, com quem se dizia que teve um romance.
Quando para comemorar o feito, foi publicada a fotografia do doente junto da equipa que tinha levado a cabo semelhante proeza, por "descuido" incluíram…. Hamilton Naki de bata branca ao lado do Dr. Barnard.
O facto de ele ser negro não lhe podia permitir que aparecer na fotografia e para desculpar semelhante “delito”, foi noticiado que se tratava de um auxiliar de limpeza.
Naki recordou mais tarde ter sido advertido pelo hospital, para não revelar o seu envolvimento nessa operação.
É o próprio Dr. Barnard que em 1991, numa entrevista dada á televisão sobre a história da África do Sul, revelou a verdadeira história e a importância da intervenção de Hamilton Naki.
Nela admitiu, que a primeira cirurgia de transplante de coração nunca teria acontecido, não fora a habilidade cirúrgica e o brilhantismo do negro Hamiltom Naki, que apesar da legislação do Regime Apartheid, então vigente no país, não permitir um negro tocar no sangue de um branco, foi neste caso aberta uma excepção.
E terminou a entrevista confessando: “ Se Hamilton Naki tivesse tido oportunidade, teria sido melhor cirurgião do que eu”.
Barnard morreu em Chipre, na Grécia, em 2 de Setembro de 2001, vítima de um ataque agudo de asma.
Hamilton Naki, apesar de ser um cirurgião “clandestino” e dar aulas a estudantes brancos durante 40 anos, vivia numa barraca, no gueto de Langa, onde nem sequer tinha electricidade ou água corrente. Quando os jornais descreveram as repercussões do avanço científico que discretamente ajudou a impulsionar, modestamente ficou silencioso, sem reclamar, impassível na sua humildade.
“Temos que aceitar aqueles dias, não há volta a dar. Era a lei desta terra”, afirmou já na década de 90.
Sendo formalmente jardineiro, o seu salário era o correspondente ao de um auxiliar de laboratório, porque era a maior remuneração permitida a um negro.
Foi na qualidade de jardineiro que se reformou com o ordenado de 275 dólares por mês, indo para um asilo destinado aos jardineiros, mas continuando a trabalhar como cirurgião em um ônibus adaptado como clínica móvel.
A maior parte do dinheiro era usada para ajudar escolas rurais para crianças pobres.
Apenas um de seus cinco filhos pôde completar o segundo grau.
Só após a queda do ”Apartheid” lhe foi reconhecido o mérito.
Em 2002 recebeu a maior honraria da África do Sul a “National Order of Mapungubwe”, e a graduação honorária em medicina pela Universidade da Cidade do Cabo em 2003.
Faleceu poucos anos depois, em 29 de Maio de 2005, com 78 anos de idade.
A sala do hospital Groote Schuur onde foi realizado o transplante se tornou um museu onde se exibe a foto de Hamilton Naki, a quem os nativos consideram um herói.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Hoje na Biblioteca. A respeito de Saramago, que devido à esperada procura dos seus livros. Deviam dar por exemplo, só 3 páginas a cada pessoa, ao acaso. E as pessoas leriam essas 3 páginas como se fossem as únicas existentes.
O que seria se dêssemos às pessoas só extractos de coisas. Teriam de esboçar um gesto mais largo de leitura e compreensão. Muitas vezes, usufruímos de coisas no seu estado fragmentário e as guardamos dentro de nós como um sonho completo. Mas as emoções plantam-se, e voam como pássaros. Somos árvores em crescimento. Livros ramificados. Folheados.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Em tudo que a natureza faz, a natureza imprime o seu modo de fazer. Numa pedra, há a memória da pedra. Num homem, há a memória da sua criação.
Quando compreendemos isso, nós compreendemos as leis do universo. Alguns são capazes de reconstruir as leis do universo apenas ao olhar uma folha da relva. Outros têm que aprender muitas, muitas coisas, até que possam perceber o que é necessário para desvendar essa ordem que é o universo.
Eu não conheço melhor serviço que um arquitecto possa prestar, como profissional, do que o de compreender que todo edifício deve servir à instituição homem, quer seja ela a instituição do estado, quer a da casa, ou a da educação, da saúde, ou do lazer.
Uma das grandes deficiências da arquitectura, hoje, é que essas instituições não estão sendo definidas, mas apenas dadas por um programa, e transformadas em um edifício.
Vou dar alguns exemplos do que eu entendo com “reprogramar”.

Em minhas aulas na universidade, propus à turma o exercício de projectar um mosteiro, e assumi o papel de um eremita que achava que deveria haver uma sociedade de eremitas.
De onde partir? Como compreender essa sociedade?
Eu não tinha um programa, e por duas densas semanas, nós discutimos a natureza. ( A natureza é uma noção que faz parte do que o eremita é.)
Uma aluna indiana foi a primeira a fazer uma observação interessante. Ela disse:”Acho que esse lugar deve ser de tal forma, que tudo se origine da cela. Da cela deve partir a razão de a capela existir. Da cela deve partir a razão de o claustro existir, e de existirem as oficinas,”
Um outro aluno indiano (suas mentes trabalham num nível mais transcendente) disse: “Eu concordo plenamente, mas gostaria de acrescentar que o refeitório deve se equiparar à capela, a capela deve se equiparar à cela, e o claustro, ao refeitório. Nenhum é mais importante que o outro.”
Mas o aluno mais talentoso da turma era um inglês. Ele apresentou um projecto maravilhoso, no qual incluíra um outro elemento: uma lareira externa. De alguma forma, ele percebera que não poderia negar o significado do fogo, nem o seu calor, nem a sua promessa. Ele também posicionara o claustro a cerca de um quilometro do mosteiro, explicando que era uma honra para o mosteiro ter um claustro, e que, por isso, um lugar de destaque no conjunto deveria lhe ser reservado.
Nós chamámos um monge de Pittsburgh para nos dizer quão fantásticas eram nossas ideias. Ele era um monge divertido, um pintor que vivia num enorme estúdio, e que sempre tinha relutância em ir para a sua cela. Ele gozou dos nossos planos, sobretudo da intenção de o refeitório localizar-se a um quilómetro do centro do conjunto. Disse ele: “Ah, eu preferiria mil vezes que minhas refeições fossem servidas na cama!” Ficámos muito desanimados depois de ele se ir embora, mas logo pensámos: “Bem, ele é somente um monge: ele não sabe mais nada”.
Nós desenvolvemos o trabalho, e surgiram inúmeras soluções maravilhosas. Ouça o que eu digo: foi muito compensador perceber que elas não partiram de um programa morto, desses que prescrevem a quantidade de metros quadrados. A ideia usual de refeitório, e outras mais, haviam sido afastadas. Quando reunimos o júri, Padre Roland veio. Ele era um fiel defensor dos mais radicais projectos para o mosteiro, mas o programa – dado, como sempre – era um programa morto. Ele não tinha vigor algum, nem desejo de viver, enquanto os alunos estavam profundamente inspirados. Cada um apresentou uma solução diferente, mas todas traziam os sentimentos de uma vida nova, de um novo elemento. Não é possível descrevê-las aqui, mas o que começara com uma simples reconsideração havia emergido com a força de um novo princípio, a partir do qual novas descobertas poderiam ser feitas no presente.

Nossa profissão somente é mesquinha quando não alteramos o programa. Quando o alteramos, forças fantásticas são potencializadas, pois assim não incorremos no erro de fazer algo que agrade a nós exclusivamente. O que satisfaz à sociedade é a nossa intervenção no programa, e não um edifício medíocre. O arquitecto prepara-se para a expressão do que é verdadeiro.
É o espírito da arquitectura que diz que ela não existe em absoluto…Isso é o que diz o seu espírito. Ele não conhece estilo, nem método. E está pronto para qualquer coisa. O homem, então, deve ter a humildade de oferecer algo, de fazer uma oferenda à arquitectura. Um arquitecto é parte do tesouro da arquitectura, ao qual pertence o Panteon, ao qual pertencem os grandes liceus palácios do Renascimento. Tudo isso pertence à arquitectura e a enriquece, tudo isso é uma oferenda.
Para mim, essa é uma espécie de base do ensino. Que está relacionada ao projecto, à pintura, à escultura, a seja o que for que você faça. É a sua expressão pessoal que deve ser colocada. Não se trata apenas de tecnologia. É no acto de reescrever o programa que se pode detectar a arquitectura, não na mera manipulação de espaços. Na mera manipulação de espaços, não há nada que pertença ao arquitecto, ainda que ele possa contribuir para essas realizações, como alguém que define as mais refinadas especificações. Mas isso não o torna um bom aruitecto. Isso o torna um bom profissional, mas não um bom arquitecto.

Louis I. Khan, Conversa com estudantes, Gustavo Gili, 2002

terça-feira, 1 de junho de 2010

A arte actual sofre duma dupla simplificação que é consequência do processo geral de desmistificação e secularização que envolve todas as actividades simbólicas: por um lado, vê-se reduzida apenas às obras, prescindindo de tudo o que é condição de existência duma obra de arte; por outro, vê-se reduzida à realidade, prescindindo da espessura e da complexidade do real. Numa época multiforme como a nossa, o mundo da arte parece constituir-se mediante simplificações através das quais se esgota na avaliação e interpretações das obras, ou então na eficácia e na comunicabilidade da mensagem. Tudo o resto, ou seja, aquilo que torna possível a categoria de arte e a figura do artista, é considerado uma superficialidade metafísica de que é preciso prescindir, uma pesada herança de que nos devemos libertar o mais depressa possível, um inútil ornamento que oprime a verdadeira vida da arte. Em suma, considera-se “natural” que alguns objectos sejam obras de arte e que algumas pessoas sejam artistas; qualquer outro tipo de questões parece supérfulo.
Esta minimização geral da arte face à gestão das obras e à comunicação desencadeou uma reacção junto dos que reivindicam, para a arte, a manutenção dum estatuto especial, enraizado na transmissão da tradição e na solenidade dos “valores”. No entanto, também estes não levam em conta a relação presente e actual entre ingenuidade e o simplismo dos nossos dias e erguem-se na defesa impossível duma transcendência artística em que nem eles já acreditam. Como em outros âmbitos da cultura, também na arte o tradicionalismo se arroga duma certa jactância: o que não constitui qualquer solução para a referida ingenuidade acabando por prosperar à custa de si própria e dos que tenta iludir. A redução da arte às obras e à comunicação acabou por produzir efeitos positivos. Não só aproximou a arte de massas de camadas cada vez mais amplas de público e de indivíduos pouco esclarecidos e incapazes de perceber a diferença entre dimensão real e a simbólica, mas sobretudo alargou de forma notável as fronteiras da arte, fazendo incidir uma nova atenção sobre a “coisificação” e a “circulação” que as concepções demasiado espirituais e metafísicas da arte não conheciam. Mas é preciso notar que nem a “coisificação”, nem a “circulação” são experiências simples e “naturais”!
O erro da reacção tradicionalista consiste na sua obstinação em dar relevo àquilo que é digno de interesse, de estima e de admiração por cima, sujeitando-se a dar o flanco. E tudo isso serve para dar lugar a uma degeneração implícita na democratização da arte: a transformação das grandes exposições num luna park, o carácter ao mesmo tempo violento e efémero das intervenções artísticas transgressivas, a prevalência da quantidade sobre a qualidade, a troça da parte do público, a redução da profissionalidade à flexibilidade executiva, a utilização cínica dos artistas e dos críticos, a homologação dos produtos culturais, a difusão dum clima de consenso plebiscitário em volta das vedetas, o desaparecimento da capacidade crítica, a diminuição das condições dum aumento ou dum desenvolvimento da originalidade, o desconhecimento da excelência. Mas a reacção tradicionalista engana-se ao opor a todos estes inconvenientes uma ideia pouco consistente de arte baseada num “valor” estético de que ninguém já é capaz de estabelecer as características.
A democratização da arte, com toda a sua ingenuidade e banalidade, com a sua mescla de estupidez e fatuidade, representa um ponto de não retorno na história da cultura; por mais lamentáveis e grosseiros que sejam os seus produtos, é à sua sombra que se pode manter e desenvolver uma experiência mais subtil e refinada, mais acutilante e atenta da obra e do processo artístico.

em Mario Perniola, A Arte e a sua Sombra, Assírio e Alvim, 2006