quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ano que começou sobre o signo da inquietação. Euforia amorosa misturada com preocupações grandes de Pai. Segundo semestre de equilíbrio gradual e nova comunidade familiar: Sara, Rodrigo e Teresa. Agora procuro regressar à meditação, às leituras, à pintura e à escrita.
Obrigado a todos os meus amigos que me acompanham e me iluminam o coração.

Rodrigo, Agosto 2009, Aldeia do Meco
O meu gosto musical é algo de muito diversificado. Considero até ser de boa têmpera e substância. Intrigo-me por vezes pelo gosto por sons repetitivos, por uma música electrónica filiada na chamada Berlin-School (Tangerine Dream, Klaus Schulze,etc), onde o som vai evoluindo segundo uma base obssessiva de ritmos em arpeggio. Para mim é a música por excelência para trabalhar, mas olhando friamente para a coisa, é algo extremamente chato para a maioria. O que tem esta música de encantatório para os sentidos? Também a polifonia renascentista produz em mim um mundo de emoções infinito. Parece que a música entra em nós e começa a percorrer um caminho que a nossa consciência não consegue acompanhar. É uma viagem, uma “trip”. Agrada-me que a música tenha esse carácter inconclusivo, infinito, impalpável ao eu inteligente. Deve ser divertido observar os efeitos no cérebro, mas como saber o seu efeito emocional? E diríamos ser uma música tão fria! Depois é uma música de qualidade mais que discutível, e quando resvala, nem sempre, para um terreno “new age”, existe um perigo real de se sofrer de diabetes auditivo. Guloseimas espirituais, Iogas tónicos, mundos ideais a que se chega mediante uma série de receitas e mapas astrais. Existem muitas coisas essenciais a serem ditas pelos gurus “new age”, mas a obrigatoriedade de quase construirmos a pessoa perfeita faz com que muito do bom, que por imperfeito e incompreensível, exista, nós o queiramos ver pelas costas. Quando a música sai do seu carácter etéreo e abstracto e fica demasiado descritiva e agradável (nada que se assemelhe a beleza para mim), eu fujo a essa onda. Existe muita gente a fazer esta música, e alguns conseguem fazer um disco realmente envolvente, e os restantes de um gosto super duvidoso. Além de Klaus Schulze, músico fundador desta escola com Manuel Göttsching dos Ash Ra Tempel, que revelou uma constante qualidade na sua música, os Tangerine Dream não se mostraram tão constantes na qualidade das suas incursões. Mais recentes, os Radio Massacre International, e os Redshift sobressaem entre outros. Depois temos também alguém que estendeu a sua influência a vários campos: Steve Roach. Mas este merece um post à parte, tal a sua música nos toca em vários sentidos. Do que tenho estado a ouvir enquanto escrevo: Frank Van der Wel-eruptions(2001); ARC(Ian Boddy(músico influente e prolífico, mas só a espaços com temas interessantes, álbuns completos nem pensar)+Mark Shreeve (Redshift) e o tema “fracture” do álbum homónimo(2007), e Frank Klare-Berlin Parks(2003) e o excelente tema de 19minutos, Mauerpark.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

As três lições da Índia.

Em primeiro lugar, foi a descoberta da existência de uma filosofia, ou melhor, de uma dimensão espiritual indiana que não era, nem aquela da Índia clássica – digamos, aquela dos Upanishades e do Vedanta, em suma, a filosofia monista -, nem a da devoção religiosa: a bhakti. Quer o ioga quer a sâmkhya(http://pt.wikipedia.org/wiki/Samkhya)professam o dualismo; de um lado, a matéria , do outro, o espírito. Contudo, não era o dualismo que me interessava, era o facto de, no samkhya e no ioga, o homem, o universo e a vida não serem ilusórios. A vida é real, o mundo é real. E podemos conquistar o mundo, podemos dominar a vida. Aquele que, no tantrismo por exemplo, melhor assume a vida humana pode ser transfigurado por rituais, efectuados no seguimento de uma longa preparação ióguica. Trata-se de uma transmutação da actividade fisiológica, por exemplo da actividade sexual. Na união ritual, o amor deixa de ser um acto erótico ou um acto simplesmente sexual. É uma espécie de sacramento; exatamente como beber vinho, na experiência tâtrica, não é beber uma bebida alcoolizada, mas partilhar um sacramento…Logo descobri (…)que a Índia conheceu determinadas técnicas psicofisiológicas, graças às quais o homem pode, ao mesmo tempo, fruir da vida e dominá-la. A vida pode ser transfigurada por uma experiência sacramental.
O segundo ensinamento, foi o sentido do símbolo. (…)Foi-me dado viver numa cidade de Begala, e vi mulheres e jovens raparigas que tocavam e decoravam um linga, um símbolo fálico, mais precisamente um falos de pedra, anatomicamente bastante exacto; e, bem entendido, as mulheres casadas não podiam ignorar a sua natureza, a sua função fisiológica. Compreendi então a possibilidade de ver o símbolo no linga. O linga era o mistério da vida, da criatividade, da fertilidade que se manifesta a todos os níveis cósmicos. Esta epifania da vida, era Shiva, não era o membro que conhecemos. Sendo assim, esta possibilidade de ficar religiosamente emocionado pela imagem e pelo símbolo, isso revelou-me todo um mundo dos valores espirituais.
Quanto à terceira descoberta, podemos chamá-la “a descoberta do homem neolítico”. Tive a sorte, pouco tempo antes da minha partida, de passar algumas semanas na Índia Central, entre os aborígenes, os Santali, quer dizer, os pré-arianos. Fiquei impressionado ao ver que a índia mergulha ainda as raízes muito profundas, não só na herança ariana ou dravidianas, mas também no solo asiático, na cultura aborígene. Trata-se de uma civilização neolítica, fundada sobre a agricultura, quer dizer, sobre a religião e a cultura que acompanhavam a descoberta da agricultura, nomeadamente a visão do mundo da natureza enquanto ciclo ininterrupto de vida, morte e ressurreição: ciclo específico da vegetação, mas que também rege a vida humana e constitui, ao mesmo tempo, um modelo para a vida espiritual…Reconheci, pois, a importância da cultura popular romena e balcânica. Como a da Índia, tratava-se de uma cultura folclórica, fundada sobre o mistério da agricultura.(…)Esta unidade de cultura, para mim, constitui uma revelação. Descobri que aqui, na própria Europa, as raízes são bem mais profundas do que se tinha pensado, mais profundas que o mundo grego ou romano, ou mesmo mediterrânico, mais profundas que o mundo do Próximo Oriente antigo. E essas raízes revelam-nos a unidade fundamental, não só da Europa, como também do todo ecuménico que se estende de Portugal à China e da Escandinávia ao Ceilão.
(…)Na Índia descobri o que mais tarde designei de “religiosidade cósmica”. Quer dizer, a manifestação do sagrado através dos objectos ou dos ritmos cósmicos: uma árvore, uma raiz, a Primavera. Esta religião, sempre viva na índia, é a mesma que os profetas combateram, com razão, pois Israel era o receptáculo de uma outra revelação religiosa. O monoteísmo mosaico(relativo a Moisés) comporta o conhecimento pessoal de um Deus que intervém na História e que não manifesta apenas a sua força através dos ritmos da natureza, através do cosmos, como se passa com os deuses da religiões politeístas. Vós sabeis que esse tipo de religião cósmica, que designamos de politeísmo ou de oaganismo, estava bastante desconsiderada, não só pelos teólogos, como também por certos historiadores das religiões. Eu, no entanto, vivi entre os pagãos, vivi entre aqueles que participam no sagrado pela mediação dos seus deuses. E os seus deuses eram figuras ou expressões do mistério do universo, desta raiz inesgotável de criação, de vida e de beatitude…Em suma, tratava-se de descobrir a importância e o valor espiritual do que chamamos paganismo.

em Mircea Eliade, A provação do Labirinto, diálogos com Claude-Henri Rocquet, Dom Quixote 1987
à caça de...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

De encantamento foi feito o olhar.
Da comunhão surgiu o abismo.
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O horizonte engoliu as brasas
de um Sol que quis ser estrela.

Funchal, 4 de Dezembro de 2009
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Benção das Capas.
Para a Sara desejo mesmo a melhor sorte do mundo e um empenho, com grande prazer, pelo que quiser fazer dos seus sonhos. Com muito amor e luz, minhas.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Campo da Barca, Funchal, Dezembro de 2009

Por vezes uma fotografia revela-nos algo que não estamos a olhar e a perceber que existe, mas está lá camuflada, escondida. Na vida deparamo-nos com os mais diversos sinais, que por falta de sintonia holística e emocional nos escapam em significado. Aqui temos uma lâmpada disfarçada de flôr, e uma pomba perfeitamente oculta. Mesmo o candeeiro surge vegetal. O fio em aço, onde começa e onde acaba ? São os limites do instante, não do encantamento.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Terreiro da Luta, Dezembro 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sara Graça: blogue ou horlogue ou logo(anti-tipo). Está bestial.
http://eusoumuitos.com/

Começem por ver o blogue processo. Viagem à concepção de tudo isto.
The fairest thing we can experience is the mysterious. It is the fundamental emotion which stands at the cradle of true art and true science. He who knows it not and can no longer wonder, no longer feel amazement, is as good as dead, a snuffed-out candle. It was the experience of mystery — even if mixed with fear — that engendered religion. A knowledge of the existence of something we cannot penetrate, of the manifestations of the profoundest reason and the most radiant beauty, which are only accessible to our reason in their most elementary forms — it is this knowledge and this emotion that constitute the truly religious attitude; in this sense, and in this alone, I am a deeply religious man. I cannot conceive of a God who rewards and punishes his creatures, or has a will of the type of which we are conscious in ourselves. An individual who should survive his physical death is also beyond my comprehension, nor do I wish it otherwise; such notions are for the fears or absurd egoism of feeble souls. Enough for me the mystery of the eternity of life, and the inkling of the marvelous structure of reality, together with the single-hearted endeavour to comprehend a portion, be it never so tiny, of the reason that manifests itself in nature.

Albert Einstein, em The World as I see It, 1949

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Parece-me que o nosso maior problema é o de termos perdido completamente o espírito verdadeiramente religioso. Podemos ter igrejas, ir à igreja, usar um símbolo sagrado, e tudo o mais, (..) mas não somos de facto pessoas religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível excepto o religioso.

em Krishnamurti, O Despertar da Sensibilidade, Editorial Estampa, 1992

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A minha forma de falar é realmente um dos meus truques para a meditação. Nunca se utilizou esta forma de falar: não falo para transmitir uma mensagem, antes pretendo parar o funcionamento da tua mente.(…)Não me preocupa se sou coerente, porque essa não é a minha intenção. Um homem que quer convencer e manipular-te através da sua forma de falar, tem que ser coerente, tem que ser lógico, tem que ser racional, tem que dominar o teu raciocínio. Pretende dominar com as palavras.
(…)Minha intenção é totalmente singular: utilizo as palavras para criar intervalos de silêncio. As palavras não são importantes, de modo que posso dizer qualquer coisa contraditória, qualquer coisa absurda, qualquer coisa sem relação, porque a minha intenção é somente criar intervalos. As palavras são secundárias; primeiro estão os silêncios entre essas palavras. É simplesmente um truque para que vislumbres a meditação. E quando saibas que para ti é possível, avançarás muito no teu próprio ser. A maioria das pessoas no mundo pensa que não é possível que a mente esteja em silêncio. E como acham que não é possível, não tentam. Minha razão básica para falar, foi dar uma oportunidade às pessoas de experimentar a meditação, de modo que posso falar eternamente, não importa o que estou a dizer. A única coisa que importa é a oportunidade que te dou para estares em silêncio, coisa que por ti mesmo, se afigura difícil.
Não te posso obrigar a estar em silêncio, mas posso criar um estratagema em que, sem dúvida, entrarás em silêncio espontaneamente. Estou a falar, e no meio de uma frase, quando tu esperas que apareça outra palavra, não aparece nada, só silêncio. E a tua mente está à espera de ouvir, algo, e como não se quer perder, naturalmente entra em silêncio. Que pode fazer a pobre mente? Se soubesses em que momento me vou calar, tendo a certeza em que momento me vou calar, então conseguirias pensar, e não entrarias em silêncio. Então saberias: “Este é o momento em que ele se vai calar, agora posso cochichar comigo mesmo”. Mas como chega absolutamente de repente…eu mesmo não sei, porque paro em determinado momento.

Em Osho, Autobiografia de um místico espiritualmente incorrecto, Planeta,2001

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ainda Scelsi. Li que os textos de Rudayar (The Rebirth of Hindu music, 1926) sobre música tiveram um papel importante na concepção musical de Scelsi, e no nascimento da chamada música espectral, cujo seu principal compositor Gerard Grisey(1946-98) nos legou peças de uma vibração poética:
Quatre Chants Pour Franchir Le Seuil. (1998) e intensidade alada, a famosa, Les Espaces Acoustiques (1974-1985), ciclo para vários agrupamentos.
Dane Rudayar é mais conhecido pelos seus textos sobre astrologia, mas o seu site tem disponíveis vários textos interessantes.

Sound as Carrier-Wave for Tone

As an objective and measurable phenomenon, sound is produced and transmitted by the vibration of matter at its molecular level. For human beings as presently constituted, vibrations perceptible as sounds extend from a low frequency of about 16 vibrations per second to a high of about 25,000. These sound vibrations come from a material source which must be sufficiently elastic to vibrate to and fro, and they are transmitted by pressure waves affecting the molecules of a transmitting medium. Air is the usual medium for acoustical phenomena, but water and solid substances also can convey sound waves to the ear or to any part of an organism that can react to them and transmit them to an auditory center capable of interpreting them and, in many cases, of inferring the nature of their source. Setting in motion a source of sound requires an expenditure of energy. The release of energy is made possible by a state of tension in the producer of the sound.
According to the most recent findings of science as well as to many of the ancient interpretations of natural phenomena, motion exists everywhere, but the speed of the movement — that is, the frequency of a complete oscillation (or period) of the movement — can vary immensely. Molecular motion is far slower than the motions of atoms and particles within atoms. The vibrations to which our eyes react and which the consciousness in the visual centers of the brain interprets as light are far more rapid than those interpreted by our auditory centers as sound; they extend from a low point of about 450 billion vibrations per second to a high of about 750 billion. While sound has a molecular basis, light and other types of vibrations involve the vibratory motion of atomic particles. To think of sound, radio waves, light, and x-rays as different levels (or "octaves") of frequencies adequately defined by mere numbers may be intellectually and analytically justifiable, but it makes little sense in terms of human consciousness and vital responses. Ultrasounds exist beyond the range of perception of our ears or auditory centers, but even if their frequencies were greatly increased, they would never become colors. The connection some people perceive between sounds and colors stems from their subjective psychic responses to sound and color, but it does not refer to objective periodical motions transmitted to the consciousness by two entirely different means of perception, each related to particular kinds of nerve activity and organic responses.
In most ancient cosmologies with a metaphysical foundation — that is, that speak of a transcendent, spiritual realm of being antedating material existence and becoming — a release of sound is said to cause the "precipitation" of the Forms of a spiritual realm (noumena and archetypes) into the objective, perceptible, and measurable materials constituting the foundations of existential entities. Hindu metaphysics and cosmologies speak of the primordial creative Sound AUM as the power that gives birth to the many worlds of existence. (1) In Genesis, Elohim (the plural God, creator of the universe) said, "Let there be light: and there was light." The saying refers to the release of a creative power which should be thought of as Sound in its spiritual or spirit-emanated aspect. The result of the divine utterance is light. Sound therefore precedes light. (2)
Metaphysically, Sound refers to the release of a power that, as it were, precipitates the divine Idea into material, objective manifestation. On the other hand, at the early stage of the creation process to which Genesis 1:3 refers — that is, before the sun and moon appear — the term light symbolizes the conscious mind operating in terms of duality: the most basic and primordial dualism a human being experiences is that of light and darkness. Thus, while light symbolizes the emergence of the objective consciousness it makes possible, Sound refers to the operation of the creative will.
We are normally aware of light only to the extent it is reflected by some material substance, including the atmosphere. Reflected light makes us conscious in a certain manner of an external world of objects extended in space. Similarly, what we call sound (sound as vibration of molecular matter) may have to be understood as the repercussion of dynamic currents of energy upon the matter it sets vibrating. This energy is that of the creative will as it makes an essentially qualitative impact upon molecular substances like the air, which in turn transmit the impact to the resonating mechanisms of the human ear.
In ancient India, sound was believed to exist in two forms. Physically perceptible sound vibrations were termed ahatta. An inaudible, spiritual kind of Sound, to which in special conditions the nonphysical aspects of the human consciousness could resonate, was called anahatta. Anahatta Sound should be understood as the power of the divine will, which sets in motion the proto-matter of chaos (Genesis's "dark waters of space," the medieval alchemists' prima material. This creative Sound makes matter spin into vortices of motion.
Atoms spin and so do planets. Cosmic Sound is the power that generates the rotative motion of every globular form of existence. (3) As a creative, spirit-emanated power it should be considered a descending movement, because we instinctively consider matter heavy, inert, resistant, and the lowest aspect of being. Matter has to be moved by "higher" forces. In its primordial aspect cosmic Sound is such a force. At the biological level, Sound may refer to what powers human nerve activity as an expression of the will. It is through the use of that power that a human being's will can effect the contraction of muscles and produce physical acts. There is an organismic, biological, and unconscious will, which we call instinct, and a conscious, self-motivated, and self-directed will. Between these two levels of will are also what we call emotions (literally, a moving out). Emotions can also arouse muscular movements, although we may not be aware of many of them. Swayed by various kinds of emotions, a person makes gestures and performs instinctual or determined acts.
The capacity of music to arouse emotions — or more strictly speaking, to arouse feelings which induce emotions — is quite evident, even in Western culture, which has thoroughly intellectualized music. (4) This power of music is stressed and discussed at great length in many ancient books from China, India, and Pythagorean Greece. So also is the power of sound to heal and reinvigorate an organism-by which I mean the mental and emotional components of a person as well as his or her physical body. (5)

(...) Systems of scalar organization may be similar in the various musical cultures still in existence today, but similar does not mean identical. Subsequent chapters will examine the scales of our Western music and similar types of musical organization in non-European cultures, especially in Asia. Basic differences exist not merely in the form of such repetitive series, but in the spirit in which they are considered and used as the foundation of music — and above all there are differences in the quality and essential character of the sounds they organize.
There is a fundamental difference between a tone (in the dynamic, vital, magical, and/or sacred sense of the word) and a musical note as part of a scale (thus in relation to other notes). Unfortunately musicians use the words tone and note interchangeably, because they are not aware of the difference between them, and traditional Western composers, music schools, and universities have given only minimal attention to it. It is therefore essential to define these terms clearly. Sound, tone, and note each have a specific meaning, even though they may refer to the same auditory phenomenon. Each represents a different response to a musical event — a different way of feeling and thinking about what has been heard.
Sound (in the non-metaphysical sense) simply refers to the transmission of vibratory motion and its perception by the auditory center in the brain after the various parts of the ears have resonated to it. A tone is a sound that has conveyed (or can convey) significant information to the consciousness of the hearer because it is charged with and transmits (or can transmit) the special nature and character of the source of the sound. Thus a tone is a meaning-carrying sound. A tone has meaning in itself, as a single phenomenon experienceable by a living being endowed with some degree of consciousness. A musical note, on the other hand, has no meaning in itself. It has meaning only in relation to other notes. The same note may be played by several instruments producing very different actual sounds. A note's meaning is abstract, because it is not essentially attached to any particular pitch, timbre (quality of sound), intensity, or mode of production. A note may be transposed (that is, its frequency can be altered) to another level of vibration without its musical meaning being greatly changed, if its relationship to all other notes remains the same. A note is even more abstract if it is considered one of a myriad of elements in a written musical score — a score which may never be performed (that is, actualized by sounds the ear can perceive), yet which, at least for trained musicians, in fact is the music.
Since the sixteenth century Western music has resulted from applying the system of organization of notes we call tonality. Archaic music and certain types of pre-modern, non-European music with a sacromagical character and purpose were, by contrast, originally based on the organization of tones which, singly as well as in their cyclic, collective grouping, conveyed vital meaning or acted as transformative agents.
When music is considered an art and experienced in terms of esthetical values — that is, in terms of form, balance, rational proportion, and sense-satisfying pleasure it is essentially the organization of notes. The principle of organization is concretized as the prototypal series of notes — or rather of intervals between notes — we today call musical scales. A scale is a series of relationships between abstract points (the notes of the scale), the interval between two notes being the result of the ratio between their frequencies.
The tones of archaic music were not, however, the results of mathematical ratios; they were intimately and indissolubly associated with gods, nature spirits, cosmic elements, biopsychic states in animals and human beings, and very often a particular season or time of the day. Such a mythological and vitalistic association gave each tone a communicable meaning, and made of the tone an entity with a specific character or quality of being. In addition to their specific natures and individual qualities, the tones were given a functional character as participants in an organism of sounds, called grama in Sanskrit.
Grama originally meant a village; the whole of the ancient life and culture of India was based on the village community, the basic unit of social organization. Within the village community each human being and family performed a definite function. There were castes and sub-castes (originally or theoretically nonhereditary), each representing a biopsychic function reflecting a basic aspect of the order of the cosmos. Similarly, every tone of the grama — probably at first five, then seven — fulfilled a specific function in this prototypal musical whole, a microcosm of the universe. But — and this is an essential point — these tones were all linked by what one might symbolize as connective tissue. The grama was a whole of vibratory energies, just as the village was a whole of homes and families. Among both a circulation of effective activities was always operating.
The performers of these primordial, magical, and (later) sacred chants paid as much attention to the way tone was reached as to the tone itself — just as a true lover considers the way he or she approaches the beloved as important as the act of love itself. To fully understand how different from our Western tradition this approach to music was, we have to consider the original and philosophical meaning of the words magical and sacred. Unfortunately, when they are used today their meanings are often materialized. We have to see how the magical and the esthetic fundamentally differ and how to avoid confusing the religious with the sacred. These differences are more important to understand today than at any other time during the last thousand years, because the "revolution in consciousness" hoped for in avant-garde music can be constructively evaluated only if one realizes that it represents an attempt, however inchoate, to revive the feelings human beings once had for the magical and the sacred.

1. When speaking of its cosmic, spiritual, or metaphysical aspect, I shall capitalize the word Sound. To refer to what the vibration of molecular matter produces I shall use the word uncapitalized.
2. A human being can utter sounds through his or her voice but cannot generate light; this may be the reason sound is considered the primary type of wave-transmitted vibration. A less anthropomorphic picture is presented by the contemporary yogi Baba Hari Dass, who has said, "First it is a point; then it changes to sound; sound changes into light." A Sufi saying also states, "Creation comes into being from saut [sound), and from saut spreads all light." Both quotations are from The Rainbow Book (San Francisco: The Fine Arts Museum, 1975) p. 134.
3. If there are periodical changes in the rotation of the earth — as advocates of various pole shift theories claim (cf. Pole Shift by John White [New York: Anchor Books, 1983]) the rationale for these changes may have to be found in the periodic action of some central galactic Sound (for the earth moves in galactic space as well as around the sun), rather than in millennial modifications of some external features of the earth's surface (for instance, Antarctica's enormous ice cap) or in the movement of continental plates.
Changes in atomic structures may also normally result from the activity of an intra-atomic power, of which modern science still knows nothing, while references to it are made in many ancient books, for example, in the great Hindu epic, the Ramayana, where mysterious rays that destroy a whole army — rays sent from flying vehicles — are clearly described. In H. P. Blavatsky's Secret Doctrine, the mysterious force which an American inventor, J. W. Keely, seems to have discovered just a century ago is discussed at some length. One of Keely's supporters, a Mrs. Bloomfield-Moore, wrote most interestingly about some of Keely's discoveries and theories. As Blavatsky suggested, the use of such a force in the hands of present-day scientists, technologists and military establishments could have been utterly disastrous and leading to results even more destructive than the global nuclear war everyone dreads but which no one so far seems able to exorcise from the human mentality.
4. We should distinguish emotions from feelings. Feelings refer to the reactions of the organism-as-a-whole (in some cases of only the body or the psyche but most often both are involved) to a life situation; one feels tired, sad, insecure, depressed or ebullient, joyful and confident. Emotions are waves of outflowing energy, directed toward some person, object or situation. Thus desire, love, anger, jealousy, resentment, fear are emotions. Emotions imply physical or psychic movement.
5. See Chapter 4 regarding Pythagoras's use of tones, and Appendices I and III on Chinese music and the origin of European music.

Dane Rudayar, em The Magic of Tone, 1982

texto completo e outros textos em:
http://khaldea.com/rudhyar/music.shtml

terça-feira, 24 de novembro de 2009



Acabou de sair uma das colectâneas essenciais de música clássica, dedicada à polifonia dos séculos XIII a XVI. O meu ouvido musical cresceu ao som destes discos de uma beleza extraordinária e de excelência interpretativa. Mas aqui a música exige ao seu ouvinte o seu mais profundo diálogo interno, espiritual, onírico e espacial. O ouvido constrói e deslumbra-se, a música é arquitectura, na sua forma mais límpida e minuciosamente trabalhada, de catedrais de som, no caso de Brumel, Gombert, Utopia Triumphans ou mesmo Festa, de uma beleza delicada em Pipelare e Machincourt. Sem dúvida, discos para a minha ilha deserta.




A Secret Labyrinth

A Celebration of Music from Middle Ages to RenaissanceHuelgas Ensemble – Paul Van Nevel,dir.Sony Classic SBG 7478442 [CDx15]


Sony Classic « Vivarte » SK 53341 [CD] Codex Las Huelgas - Music from 13th Century Spain
Sony Classic « Vivarte » SK 48195 [CD] Febus Avant!, Music at the Court of Gaston Febus (1331-1391)
Sony Classic « Vivarte » SK 53976 [CD] Music from the Court of King Janus at Nicosia (1374-1432)
Sony Classic « Vivarte » SK 66261 [CD] Utopia Triumphans ( colectánea de obras monumentais e com uma complexidade de efeitos sonoros belíssimos, destacando-se a famosa obra de Tallis e a fabulosa obra de Striggio)Thomas Tallis: Spem in alium (à 40) Costanzo Porta: Sanctus (à 13) / Agnus Dei (à 14) Josquin Desprez: Qui habitat (à 24) Johannes Ockeghem: Deo gratias (à 36) Pierre de Manchicourt: Laudate Dominum (à 6) Giovanni Gabrieli: Exaudi me Domine (à 16) Alessandro Striggio: Ecce beatam lucem (à 40) )
Sony Classic « Vivarte » SK 60760 [CD] Alexander Agricola - A Secret Labyrinth
Sony Classic « Vivarte » SK 68258 [CD] Matthaeus Pipelare – Missa "L'homme armé", Chansons, Motets
Sony Classic « Vivarte » SK 46348 [CD] Antoine Brumel - Missa "Et ecce terrae motus", Sequentia "Dies irae"
Sony Classic « Vivarte » SK 46699 [CD] Mateo Flecha el Viejo (1481-1553) - Las Ensaladas
Sony Classic « Vivarte » SK 53116 [CD] Costanzo Festa (c.1490-1545) - Magnificat, Mass parts, Motets, Madrigals
Sony Classic « Vivarte » SK 48249 [CD] Nicolas Gombert (c.1500-c.1557) - Music from the Court of Charles V
Sony Classic « Vivarte » SK 62694 [CD] Pierre de Manchicourt (c.1510-1564) - Missa "Veni Sancte Spiritus", Motets, Chansons
Sony Classic « Vivarte » SK 53373 [CD] Orlando di Lasso (1532-1594) - Lagrime di San Pietro
Sony Classic « Vivarte » SK 64305 [CD] Jacobus Gallus (1550-1591) - Opus musicum, Missa super "Sancta Maria"
Sony Classic « Vivarte » SK 66288 [CD] Cancoes, Vilancicos - e Motetes Portugueses, Séculos XVI-XVII
Sony Classic « Vivarte » SK 53115 [CD] Joao Lourenco Rebelo (1610-1661) Lementations for Maundy Thursday, Vesper Psalms

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
pergunto a mim próprio devagar
por que sequer atribuo eu
beleza às cousas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm côr e forma
e existência apenas.
E beleza é o nome de qualquer cousa que não existe
que eu dou às cousas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
perante as cousas,
perante as cousas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!

11-3-1914
Alberto Caeiro em “O Guardador de Rebanhos”

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Porque nos meteram na cabeça que deveremos consumir cultura?
Será que existem daquelas tiras para ver o açúcar no sangue,
umas para a cultura, alertando para o nível tóxico e nocivo para a saúde?
Será que existe boa e má cultura, como o colesterol?

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ontem recebi uma notícia terrivelmente triste. Madalena, tão bela e divertida, tão cheia daquela luz pura e sorriso musical, levaram-na deste mundo, sem pedir licença, sem qualquer mensagem de consolo ou emergência. Filha da minha amiga Rosa, amiga de muitos anos de cumplicidades e encantos mútuos. Via-a no Natal e fiquei surpreendido pela sua beleza, e o de ser mulher já. Aos filhos temos dificuldade em os ver como adultos. Mas é sempre bom sentir o lado criança que nos acompanha pelos anos fora. Estou triste e não sei o que dizer a um pai e a uma mãe. E ainda andamos à procura de um significado para a vida. Talvez fique o número de abraços fortes e beijos que damos e recebemos, a alegria partilhada, e pouco mais...Fica bem minha querida Madalena.
Se existe alguma coisa realmente nova, em matéria de espectáculos ao vivo, aqui na madeira, eis o madeiradig. Música electrónica acompanhada de arte digital. Claro que a parte visual em geral é muito fraca, apesar de às vezes, o músico se fazer acompanhar de um artista só para esse efeito. A música varia, sendo sempre propostas interessantes, nem sempre a música consegue sair do seu invólucro artificioso e nos envolver numa arquitectura sonora realmente bem estruturada e surpreendente.
No ano passado, apesar da desilusão Cluster, podemos desfrutar da bela apresentação (sonora e visual) de Ryoichi Kurokawa e do momento alto de intensidade sonora, sem visual: Philip Jeck. Quanto ao resto, gravitou na órbita do dispensável.

MADEIRADIG foi criado em 2004,

2004 Vladislav Delay + Lillevan, Burnt Friedman & Jaki Liebezeit with Joseph Suchy, AGF, Quarteto Sei Miguel (with Rafael Toral), Radian, Kevin Blechdom, Jamie Lidell, Mocky
2005 Music Lab, NNY, Colectivo Mascero, Pygar, @c + Lia, Hecker + Tina Frank, Fennesz
2006 Emi Maeda + Lia [visuals]; Phonophani + Marius Watz [visuals]; Frank Bretschneider
2007 Alog, Boiar, NNY, Vitor Joaquim + Laetitia Moraes, Vladislav Delay, Ran Slavin
2008 Cluster, Scanner, Ryoichi Kurokawa, Philip Jeck, Nuno Rebelo, Oval, Vitor Joaquim
2009 Alva Noto, Murcof, Jean-Michael & Band, Christ., Zavoloka + Laetitia Morais, Gigantiq, Felix Kubin, Hugo Olim and Jerome Faria, Jade, Clara Hill, Jason Forrest


4 Dezembro 21.30h - Hugo Olim and Jerome Faria (PT)22.30h - ALVA NOTO (DE) liveAftershow Voices @ Clara Hill (DE) liveAftershow DJ Set @ Isilda Sanches & Major (PT)
5 Dezembro 21.30 - Gigantiq (PT)22.30 - Murcof (MX) liveAftershow @ Jason Forrest (US) liveAftershow DJ Set @ Isilda Sanches & Major (PT)
6 Dezembro 21.30 - JEAN-MICHEL (DE) live with band22.30 - Christ. (UK) live23.30 - Felix Kubin (DE) liveAftershow DJ Set @ Isilda Sanches & Major (PT)
7 Dezembro 21.30 - Jade (AT) live22.30 - Zavoloka (UA) + Laetitia Morais (PT) liveAftershow DJ Set @ Thomas Bücker (JEAN-MICHEL) & Michael Rosen (Digital in Berlin) (DE)

http://madeiradig.net/

domingo, 15 de novembro de 2009

Depois de falar de Scelsi, nada melhor do que vos remeter a estes textos de um mestre Sufi, sobre música. Pena que seja só em inglês, mas estarem disponíveis a todos já é uma maravilhosa partilha. São 160 páginas iluminadas.

http://wahiduddin.net/mv2/II/II_0.htm

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Exit Push Pull
Êxito Excito Hesito
Existo Extâse Hábito
Es isto Es isto Es isto
Entrance Push Pull

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

EXIT
EXITO
ÊXITO

ARTISTA
AMANTE

NÔMADA
FUNCIONÁRIO PÚBLICO

MEDITAÇÃO
PATERNIDADE

COMEÇAR DE NOVO
CONTINUAR

SENTIR
SABER

O ESSENCIAL
CONSUMIR


NATUREZA
CULTURA

terça-feira, 10 de novembro de 2009




Eu que gosto de percorrer caminhos não tão conhecidos da maioria, aqui vai uma sugestão de leitura de um livro absorvente, comovente e singular. O autor não é tão desconhecido assim, escreveu também a Côr do dinheiro, Vida é um Jogo e o Homem que veio do espaço, que deram respectivamente filmes de Scorsese, Rossen e Roeg. Ainda por cima o livro na editora custa 2.50euros. Junto uma resenha esclarecedora e bem escrita de Pedro Oliveira.

A Ave-do-Arremedo, de Walter Tevis
Tradução de Manuel Ruas
Editorial Caminho, 1987, 208 pp.
Imagine uma sociedade orientada por «robots» inteligentes. Imagine uma sociedade em que os livros e os filmes foram proscritos e relegados para caves escuras e bafientas; a arte também não mais foi contemplada por olhos alguns: subjaz igualmente nos calabouços.
Nesta sociedade, o trabalho manual é executado por "escravos" de ordem tecnológica inferior à dos seus pares da Série Nove, a mais avançada que já alguma vez foi construída. Spofforth é um deles. Mas já lá vamos.
Homens e mulheres, libertos da servidão laboral (louvável tarefa, pois então, já que nem Marx com a sua ditadura do proletariado pareceu adivinhar futuro tão radioso!), dedicam o seu tempo livre, imenso, infindável, ao culto da espiritualidade, ao sexo e ao consumo de drogas que têm por fim último controlar a natalidade e suprimir toda a espécie de angústias, reflexões ou dúvidas existenciais.
Eis o quadro referencial onde o autor Walter Tevis situa este admirável romance de ficção científica que nos faz reflectir sobre a condição humana, precisamente aquilo que verdadeiramente nos distingue dos outros seres que connosco compartilham a aventura e o mistério da vida.
Ainda que inteligentes e sofisticados, os «robots» da Série Nove, como Spofforth, estão para os homens como os «tamagoshis» estão para os animais de estimação: constituem meras falsificações de humanidade — arremedos.
Uma outra curiosidade deste «A Ave-do-Arremedo», ou «Mockingbird», no original, reside precisamente na escolha do título da obra, para o qual o tradutor chama a atenção logo no início do livro: o nome científico desta ave é «Mimus Polyglottus», que designa uma espécie de ave canora característica de certas regiões das Américas do Norte, Centro e Sul, que possui a capacidade de imitar facilmente o canto das outras aves. Daí a alcunha de poliglota. À medida que progredimos na leitura do romance verificamos o quão feliz se mostra a escolha do título e o quão pertinente é a chamada de atenção do tradutor.
Depois há esse tal «robot», Spofforth, quase humano, por isso mesmo indestrutível, que não quer mais continuar a "viver", por conta do seu tempo de operação que, desde a data da sua activação, já lhe deu mais a experimentar do que aquilo que alguma vez os seus circuitos neuronais sintéticos poderiam imaginar. Um «robot» que não esquece nada, jamais. A recordação fugidia de uma rapariga que outrora trajou de vermelho e por quem ele nutriu especial afecto assola a sua mente como um fantasma. Enamorou-se dela sem que esta, no meio do seu torpor alucinatório, o tivesse distinguido, uma vez que fosse, dos outros (e inúmeros) parceiros sexuais que teve ao longo da sua vida. Viu-a envelhecer, perder o seu ar trigueiro e maroto que tanto o encantou e, no fim, morrer, como qualquer outra pessoa que um dia Spofforth conheceu.
E há também uma mulher especial, Mary Lou, que, num surto, num lampejo de humana inteligência e sensibilidade, decide correr o risco de não mais consumir drogas. Vive sozinha num Jardim Zoológico, escondida da horda de "agentes de segurança" que zelam ininterruptamente pelo bem-estar e segurança dos seres humanos, pois para isso foram programados... por outros seres humanos!
É com Mary Lou que o terceiro personagem (o protagonista?), Bentley, se cruza, durante o seu processo de auto-conhecimento, antes impossível enquanto a luz da sua mente permaneceu embotada pela acção dos mesmos fármacos acessíveis a todos os habitantes do planeta.
Bentley é chamado por Spofforth quando este sente curiosidade pela mensagem contida nas legendas de um filme da época do cinema mudo, a qual, como iletrado, e à semelhança de todos (excepto Bentley), não consegue descodificar. Na senda deste primeiro trabalho, a tomada de contacto com os arquivos audiovisuais e com as bibliotecas escondidas dos olhos de todos vai precipitar as coisas, servindo de catalisador da mudança interna que Bentley vai experimentar, sensivelmente coetânea do primeiro encontro com Mary Lou, deixando-nos adivinhar uma espécie de correlação entre ambas as experiências. Qual delas a mais importante? Qual delas determina a outra? Caberá ao leitor responder, se o souber.
«A Ave-do-Arremedo» surge-nos assim como uma advertência, uma corrida contra o tempo para que não seja tarde de mais e a paisagem dos afectos humanos não se extinga, à semelhança do verde que, se nada for feito, nada mais será que uma pálida memória. Mas é também, e sobretudo, uma aventura, uma viagem ao mais recôndito de nós mesmos, dos nossos verdadeiros e profundos anseios. É certamente isto que espera o leitor deste admirável romance. Pois, se é verdade que nós lemos livros, também não é menos verdade, como já alguém o disse, que os livros também nos lêem. Cabe ao hipotético leitor dar o primeiro passo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

OCTOLOGO


1.
Ne pas s’opacifier
ni se laisser opacifier

2.
Ne pas penser
laisser penser
ceux qui ont besoin de penser

3.
Non pas renoncement
mais détachement

4.
A tout aspirer
et ne rien vouloir

5.
Entre l’homme et la femme
l’union
pas la conjunction

6.
Faire de l’Art
sans art

7.
Vous êtes les enfants
el les parents
de vous-mêmes
ne l’oubliez pás

8.
N’amoindrissez pas
le sens de ce
que vous ne comprenez pas


(Octologo de Scelsi foi publicado nas Éditions “le parole gelate”, em Roma, a 8 Janeiro de 1987.Estes oito “mandamentos” foram traduzidos em oito línguas( italiano, latim, grego, hebraico, espanhol, francês, alemão e inglês) e constitui a sua edição integral. Aqui reproduzimos só o francês. “Oito”, símbolo do equilíbrio cósmico, signo matemático de infinito (quando deitado), era o número preferido do compositor – que nasceu a 8 de Janeiro, e deixou este mundo a 8 de Agosto de 1988 (8.8.88). Algures ele diz: “..Cette figure de huit grandiose cette spirale/en mouvement ascensionnel continu/qui comprend tout…”(Il Sogno 101-II parte,Rome,1982)


em Giacinto Scelsi, Les anges sont ailleurs…, Actes Sud 2006

1.
Não se tornar opaco,
nem deixar que o tornem opaco.
2.
Não pense Deixe pensar Aqueles que precisam de pensar.
3.
Renunciar, não. Desprendimento
4.
Aspirar a tudo Não querer nada
5.
Entre o homem e a mulher: União, não conjunção.
6.
Fazer arte Sem arte.
7.
Vós sois os filhos e os pais de vós mesmos. Não o esqueçam.
8.
Não diminua o sentido daquilo que não compreende.

GIACINTO SCELSI

Parcours de l'œuvre par Jacques Amblard
http://brahms.ircam.fr/composers/composer/2871/workcourse/

Alguns artigos em Inglês:
http://www.medieval.org/music/modern/scelsi.html

Colapso nervoso e orientalismo de André Siqueira:
http://tv.ufrj.br/anppom/sessao14/andresiqueira_carlospalombini.pdf



"L'art, c'est très facile ou ce n'est pas"


Giacinto Scelsi, aristocrata, poeta, e um compositor realmente único, talvez pela influência oriental na sua música, quer do Tibete, quer da Índia, quer do Japão(Gagaku, música orquestral da corte, e a música vocal, exemplo dos seus Canti del Capricornio(1962/72). Sobressai nitidamente a sua obra orquestral e coral-sinfónica, além dos quartetos de cordas. Situa-se entre um Xenakis e um Ligeti, mas o efeito sonoro é mais encantatório e meditativo, e de uma força imensa. A obra de piano não atinge a intensidade dessa abordagem orquestral, como em Ligeti, mas revela-nos um Scelsi mais aforístico e experimental, são obras de procura do som, incompletas digamos. Temos as Suites 8 e 9, Quattro Illustrazioni,Cinque Incantesimi , tudo peças de 1952/3, altura em que Scelsi acorda da sua longa depressão, e se assume como mensageiro de uma sonoridade nova, cortando definitivamente com a aprendizagem clássica e o dodecafonismo. Peças muito interessantes e envolventes.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Para quem não conheça a "música" deste Akifumi e pretenda ouvi-la, o melhor será preparar-se emocionalmente para e como usufruir de ruído. A surpresa é que de repente esquecemos onde estamos, e aí a rugosidade afiada e metálica abre uma porta límpida e alva, na ferida aberta pela instável e incómoda existência do som. Pages from the book, Live at Besançon 1997, para começar.

"Akifumi Nakajima, better known as the prolific creator of noise and ambient music, Aube, is an unusual musician. He admits: "I don't know whether Aube is music or art, perhaps it's just the design of sound and packaging. The packaging and design are very important for me, I want to keep each release united with the sound source as much as I possibly can."
Akifumi's day-job is as an industrial designer, and this seems to be reflected in the way that his releases consistently examine just one material. Each album starts from only a single sound source, and since Aube's first release in 1991, these have included fluorescent lamps, single voltage-controlled oscillators, water, wire, an "executive decision-maker", air, metal, and telephones. The sounds that result range from mesmeric, repetitive ambience through to cathartic torrents of noise these releases are often as much art objects as musical albums, existing only in tiny micro-editions and dedicated to the obsessive examination of their material."

em Brian Duguid http://media.hyperreal.org/zines/est/intervs/aube.html

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O TEATRO E A CIÊNCIA

O teatro verdadeiro apareceu-me sempre como o exercício dum acto perigoso e terrível, onde se eliminam tanto a ideia de teatro e de espectáculo como a de toda a ciência, de toda a religião e de toda a arte.
O acto de que falo visa à veraddeira transformação orgânica e física do corpo humano.
Porquê?
Porque o teatro não é essa parada cénica onde se desenvolve virtualmente e simbolicamente um mito
mas o cadinho de fogo e de carne verdadeira onde anatomicamente,
por espezinhamento de ossos, de membros e de sílabas,
se refazem os corpos,
e se apresenta fisicamente e ao natural o acto mítico de fazer um corpo.
Se bem me compreendem, aí verão um acto de génese verdadeira que toda a gente extravagante e humorística considerará no plano da vida real.
Porque hoje ninguém pode crer que um corpo possa mudar senão na morte e pelo tempo.
Ora eu repito que a morte é um estado inventado
que vive apenas para que todos os reles feiticeiros, os gurus do nada a quem aproveita, dele há alguns séculos se alimentem
e dele vivam em estado de Bardo.
Fora disso o corpo humano é imortal.
É uma velha história que é preciso aclarar atascando-nos até ao pescoço.
O corpo humano não morre senão porque se têm esquecido de o transformar e de o mudar.
Fora disso não morre, não se desfaz em poeira, não passa pelo túmulo.
É pela ignóbil facilidade do nada que a religião, a sociedade e a ciência têm obtido da consciência humana o consentimento de abandonar o seu corpo,
e lhe têm feito crer que o corpo humano é perecível e destinado ao cabo de pouco tempo a ir-se embora.
Não, o corpo humano é imperecível e imortal e mutável,
mutável fisicamente e materialmente,
anatomicamente e manifestamente,
mutável visivelmente e aqui mesmo
bastando que queiram dar-se a pena material de o fazer mudar.

Outrora existia uma operação de ordem menos mágica que científica
e que o teatro se tem limitado a imitar, pela qual o corpo humano,
logo que reconhecido mau passava,
transportado,
fisicamente e
materialmente,
objectivamente e como que molecularmente de corpo para corpo,
dum estado passado e perdido de corpo
a um estado reforçado e
exaltado do corpo.
E para isso bastava-lhe dirigir-se a todas as forças dramáticas, recalcadas e perdidas no corpo humano.

Tratava-se duma revolução e não há ninguém que não apele para uma revolução necessária,
mas não sei se muitos terão pensado que tal revolução não será verdadeira enquanto não for fisicamente e materialmente completa,
enquanto não se voltar para o homem,
para o próprio corpo do homem
e não se decidir em fim a pedir-lhe que mude.
Ora o corpo tornou-se sujo e mau porque vivemos num mundo sujo e mau que não quer que o corpo humano seja mudado,
e que soube dispor
em todas as partes,
nos pontos necessários,
o seu oculto e tenebroso bando de forçados a impedir que o mudem.
É assim que este mundo não é mau somente de fachada, mas é-o porque subterraneamente e ocultamente cultiva e mantém o mal que lhe deu o ser e nos fez a todos nascer do mau espírito e a meio do mau espírito.
Não unicamente por que os costumes estejam putrefactos, mas porque a atmosfera em que vivemos está materialmente e fisicamente putrefacta, devido a vermes reais, a organismos infectos que se podem ver a olho nu bastando que, como eu, se tenha longa, áspera e sistematicamente sofrido.
Não é de alucinação ou de delírio que se trata, não, é desse acotovelamento falsificado e verificado do mundo abominável dos espíritos cujas partes miseráveis todo o imperecível actor, todo o incriado poeta do sopro sentiu sempre a empestar os seus mais puros élans.
E não haverá revolução política ou moral possível enquanto o homem continuar magneticamente retido,
nas suas mais simples e elementares reacções orgânicas e nervosas,
pela sórdida influência de todos os centros duvidosos de iniciados, que, no quentinho das botijas do seu psiquismo, se riem tanto das revoluções como das guerras, seguros de que a ordem anatómica sobre a qual estão fundadas tanto a existência como a duração actual não poderá ser mudada.
Ora, há no sopro humano saltos e fracturas de tom, e de grito a grito trocas bruscas, aberturas e élans do inteiro corpo das coisas pelas quais podem ser subitamente evocadas, e podem escorar ou liquefazer um membro assim como uma árvore que pudéssemos cortar e enraizar na montanha da sua floresta.
O corpo tem um sopro e um grito pelos quais, nos bas-fonds decompostos do organismo, se pode agarrar, transportando-se visivelmente até aos altos planos radiosos onde o corpo superior o espera.
É uma operação onde nas profundezas do grito orgânico e do sopro lançados
passam todos os estados do sangue e dos humores possíveis,
todo o combate dos espinhos e esquírolas do corpo visível
com os monstros falsos do psiquismo,
da espiritualidade,
e da sensibilidade.
Houve períodos incontestáveis da história do tempo nos quais essa operação fisiológica teve lugar e onde a má vontade humana nunca conseguiu juntar as suas forças e soltar como hoje os seus monstros saídos da copulação.
Se quanto a certos pontos e para certas raças a sexualidade humana atingiu o ponto negro, e se dessa sexualidade emanam influências infectas,
espantosos venenos corporais,
que presentemente
paralizam
todo o esforço de vontade e de sensibilidade,
e tornam impossível toda a tentativa de metamorfose
e de revolução definitiva
e
integral.
É que de há séculos até agora foi abandonada uma certa operação de transmutação fisiológica
e de verdadeira metamorfose orgânica do corpo humano,
a qual pela sua atrocidade,
sua ferocidade material
e sua amplidão
lança sombra duma morna noite psíquica
todos os dramas psicológicos,
lógicos ou dialécticos do coração humano.

Quero dizer que o corpo detém sopros
e que o sopro detém corpos de cuja palpitante pressão,
a espantosa compressão atmosférica tornou vãos, quando aparecem,
todos os estados passionais ou psíquicos que a consciência pode evocar.

Há um grau de tensão, de esmagamento, de opaca espessura, de recalcamento ultra-comprimido dum corpo,
que ultrapassa de longe toda a filosofia, toda a dialéctica, toda a música, todo o físico,
toda a poesia,
toda a magia.

Antonin Artaud

em "Os sentimentos atrasam" tradução de Ernesto Sampaio, Hiena Editora, 1993

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

António Sérgio foi fundamental para a minha geração. Os discos eram revelados com uma aura mítica, a música tornava-se uma religião praticante, não baseada na crença. Os sons eram mágicos, primordiais, o programa de voz encantatória. Quando existe magia, os que a tornam possível, merecem que se toquem os sinos, e convoquem os anjos. Som da Frente e Rolls Rock, a rádio como ópio do povo.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009


Sendai Media Center, Japão, Arq. Toyo Ito


Funchal, 23 Outubro 2009

Para além de algum carácter monumental, utilitário, organizador, criador de espaços de fruição estética, para os olhos, para os sentidos, a arquitectura é ela própria um corpo que se pretende vivo e existencialista, mesmo do silêncio, mesmo da escuridão. Ela possui esqueleto e orgãos próprios, que se vão construindo.
Qual "bâtiment(o)" du coeur ou do céu.
Qual bátega de anjos e criação divina.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Rua do Carmo, Funchal 29 de Outubro 2009

Defronte da loja dos meus amigos António e Fernanda.

terça-feira, 27 de outubro de 2009




Funchal, Carne Azeda 24 de Outubro 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Curral das Freiras

Ontem foi vez de ir ao Curral apanhar umas castanhas.
Andava o dono atrás de uma ovelha fugida. Diz-me:
- O senhor que apanhe essa ovelha, que ela vai para aí!
Como se apanha uma ovelha? perguntei-me.
Ainda bem que ela foi por outro lado.
Anos e anos a viver na cidade dá nisto.
Natureza sim, mas esta quietinha e fotografável.
Será?

quarta-feira, 21 de outubro de 2009


Os diamantes de orvalho
Em cada folha a brilhar,
O tom dorido do ceu,
Tudo parece chorar...

Perpassa no azul cinzento
Que flutua misterioso
Uma saudade tormento,
Um não sei quê de inditoso,
Uma incerteza opressora,
Qualquer coisa de invulgar.
Dês que a minha alma Vos chora,
Tudo parece chorar...

Vivi com Fernando de Medeiros entre o Natal de 1972 a algures em 1976/7. Foram anos de grandes mudanças, entre o Brasil, Faro e por fim Lisboa. Foi com ele que talvez herdei o gosto da leitura (sublinho os livros ainda da maneira que ele o fazia, na lateral e conforme a importância, além de comentários vários). Como antiquário, a sua casa estava cheia de misteriosos objectos. Um cheiro a cêra durante o dia, cêra do restauro de quadros essencialmente do século XVIII e religiosos. Nunca lhe agradeci pessoalmente o me ter despertado para um mundo que ainda me encanta e se entranhou. Obrigado Fernando.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Gosto mesmo desta menina do not disturb !

No campo do design o Eduardo e a Caterina também fazem das suas.









Desenhos feitos nas casas por onde morou. Eduardo Benamor Duarte
Ainda a recuperar desta imensa revelação...
Parabéns!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Leonard Cohen em uma entrevista com Jian Ghomeshi
The Guardian, Friday 10 July 2009
http://www.guardian.co.uk/music/2009/jul/10/ghomeshi-interviews-leonard-cohen

Have the women in your life been a source of your strength or weakness?
LC: Good question. It's not a level playing ground for either of us, for either the man or the woman. This is the most challenging activity that humans get into, which is love. You know, where we have the sense that we can't live without love. That life has very little meaning without love. So we're invited into this arena which is a very dangerous arena, where the possibilities of humiliation and failure are ample. So there's no fixed lesson that one can learn, because the heart is always opening and closing, it's always softening and hardening. We're always experiencing joy or sadness. But there are lots of people who've closed down. And there are times in one's life when one has to close down just to regroup.

Are there times when you've lamented the power that women have had over you?
LC: I never looked at it that way. There's times when I've lamented, there's times when I've rejoiced, there's times when I've been deeply indifferent. You run through the whole gamut of experience. And most people have a woman in their heart, most men have a woman in their heart and most women have a man in their heart. There are people that don't. But most of us cherish some sort of dream of surrender. But these are dreams and sometimes they're defeated and sometimes they're manifested.

Do you think love is empowering?
LC: It's a ferocious activity, where you experience defeat and you experience acceptance and you experience exultation. And the affixed idea about it will definitely cause you a great deal of suffering. If you have the feeling that it's going to be an easy ride, you're going to be disappointed. If you have a feeling that it's going to be hell all the way, you may be surprised.

Do you regret not having a lifelong partner?
LC: Non, je ne regrette rien. I'm blessed with a certain amount of amnesia and I really don't remember what went down. I don't review my life that way.
A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes :
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfes d'ombre ; E, candeur des vapeurs et des tentes,
Lances des glaciers fiers, rois blancs, frissons d'ombelles ;
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes ;

U, cycles, vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d'animaux, paix des rides
Que l'alchimie imprime aux grands fronts studieux ;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silence traversés des Mondes et des Anges :
- O l'Oméga, rayon violet de Ses Yeux ! -

A. Rimbaud

Voici le poème le plus célèbre de Rimbaud qui a suscité de nombreuses interprétations sans qu'aucune soit réellement satisfaisante. Il en donnera l'autographe à E. Blemont, futur directeur de "la Renaissance littéraire et artistique" qui le laissera à la Maison de la Poésie. Il existe une copie faite par Verlaine, avec quelques variantes et le titre : Les voyelles (Bibliothèque Nationale, ancienne collection Barthou).Première publication dans Lutèce, 5 octobre 1883.
Ici, le poète joue avec les mots, les lettres, les couleurs et les sons (bombinent, rire, colère, vibrements, strideurs) en un tableau très coloré déjà précurseur des Illuminations. Les voyelles deviennent des objets avec lesquels on peut s'amuser et qui portent en elles leurs propres réalités, sens et couleurs (naissances latentes). Les couleurs ont une valeur symbolique. Pour le noir, la cruauté, la nuit (puanteur cruelle, golfes d'ombre) ; pour le blanc, la fierté, la pureté, la légèreté ; pour le rouge, le sang, les lèvres, la colère, les excès ; pour le vert, la sérenité et la paix ; pour le bleu, évocation religieuse des cieux (suprême clairon, anges). Et il passe au violet pour l'évocation des yeux de La Femme. Peut-être une allusion à la jeune personne qui l'aurait accompagné à Paris en février 1871, d'après ses amis.Un point de départ à l'idée du poème, un abécédaire qu'il a du avoir entre les mains, comme tout enfant, quand il apprenait à lire. A chaque lettre correspondait une couleur et un certain nombre de mots : A noire, pour Abeille, Araignée, Astre, Arc-en-Ciel. E était jaune pour Emir, Etendard, Esclave, Enclume. I rouge pour Indienne, Injure, Inquisition, Institut. O azur pour Oliphant,
Raptei este texto, que penso ser da Adília Lopes, do blogue montanha mágica, a quem agradeço.

«HAVERÁ UMA BELEZA QUE NOS SALVE?»

Não, não há uma beleza que nos salve. Só a bondade nos salva. E a bondade manifesta-se, por vezes, no meio da maior fealdade. Explico-me. Uma pessoa capaz de actos de bondade, uma pessoa com bom coração, pode ter uma cara que é considerada feia, pode vestir-se de uma maneira que é considerada pirosa, pode ter tido notas medíocres, pode ser um artista medíocre. Quando visitamos um museu com obras belíssimas, como o Louvre ou o Prado, podemo-nos esquecer de que as pessoas, os visitantes e os funcionários que estão lá connosco, são obras mais belas do que as mais belas obras expostas que andamos a ver. Um artista torturado pela beleza que consegue, ou que não consegue, dar ao que pinta e que se autodestrói está equivocado. Seria preferível deixar de pintar ou pintar obras medíocres. Como dizia o meu avô materno, que era médico, «mais vale burro vivo do que sábio morto». Se a busca da beleza nos impede de viver, então há é uma beleza que nos perde. E há.
Penso que não nos devemos enganar sobre a beleza. Se a nossa obra artística, ou outra, não implica a renúncia às coisas inúteis e a partilha, então é bastante inútil. E as coisas inúteis, para uma poetisa, são o desejo de escrever obras perfeitas e o de ser reconhecida pelos seus pares. Roubei à Irmã Emmanuelle a expressão «renúncia às coisas inúteis e partilha» («renonce aux choses inutiles et partage», in Famille chrétienne,Numéro hors série, été 2004, p. 6).
Se não há partilha, o artista é quase tão aberrante como um padre que celebrasse a missa só para si. Os artistas são, às vezes, muito egoístas. É verdade que as suas obras, apesar disso, podem comunicar --mas será involuntariamente? -- bons sentimentos. A arte está cheia de ódio, de maus sentimentos. Parece que estou a dizer mal da arte e não queria fazer isso.No Natal, uma amiga mandou-me um cartão de boas festas da Unicef com um Anjo da Anunciação de Fra Angelico. Tenho-o em exposição no meu quarto e, quando quero rezar, olho para ele. Mas não sou contemporânea de Fra Angelico. Não posso tomar café e tagarelar com ele nos cafés como posso fazer com a amiga que me enviou o anjo dele pelo Correio. Por isso o Anjo da Anunciação de Fra Angelico, que é tão bonito, pode também ser doloroso. Fra Angelico já morreu. E não é a beleza do anjo de Fra Angelico que me garante que Fra Angelico ressuscitará.
Um poema de Rimbaud está cheio de violência. Há muita beleza na expressão dessa violência. E isto é terrível. Preferia que Rimbaud não estivesse ferido a ponto de escrever daquela maneira? Preferia. Mas não posso dizer isto assim.
A arte é feita para construir a paz. Não é um esgrimir no vazio. Não pode ser. Olho para o Anjo da Anunciação de Fra Angelico. Parece-me belíssimo. É vermelho e dourado. É verde e azul. Mas, ao escrever assim, parece-me que estou a evocar o poema de Rimbaud intitulado «Voyelles». A arte é um modo de lidar com a ausência. E por isso é tão preciosa e tão perigosa. Nunca é a alegria da presença."
Belas fotos e um texto que se viaja:

http://www.snpcultura.org/vol_mar_musa.html




Tenho estado tão alienado de qualquer realidade exterior à minha, de uma rotina algo estonteante e feita de pequenas coisas inúteis mas necessárias, e eis-me sem tempo para as minhas coisas da escrita e da leitura e da largura (de horizontes). Com isto esqueci-me de referir a exposição da minha amiga Helena Sousa, que sempre me faz sentir bem ao seu lado, e mulher solitária, por pintora, por amor de pintar o mundo de côres de puzzles, de respirar em "gatafunhos" com batimento cardíaco pronunciado de alma. Que vivam Valdez, Kiko, Coque e Tu.

O texto da exposição:

Retalhos
Recantos
Pedaços de memórias
Rasgões de incertezas
do meu ser
Descubro e abafo
Desvendo e
imploro aos pincéis
(cúmplices e companheiros)
que se calem…
Fecho os olhos
Vazios
E vejo
como num espelho
Repouso a cabeça
Alheia
Nesta almofada
Efémera
E espero
Que me cubra a maré cheia
Desta praia de saudades.

Dalila Souto

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Funchal, Setembro 2009

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Digamos que estou naqueles momentos de reflexão, por vezes de angústia, mas ao mesmo tempo de uma serenidade frenética. Um certo cansaço. Um certo desfazamento existencialista. O amor traz em si algo que não seria natural na sua existência: a exigência de ser amado. O amor será sempre insaciável, ou será essa predisposição para reivindicar, uma herança marxista, indissociável. Melhores condições de vida: unidos venceremos! o povo é quem mais ordena!
O amor é vermelho. Comunista nos seus ideais de harmonia, mas com instintos totalitários de hegemonia na sua natureza? A luta continua.


Montado do Pereiro, Poiso, Setembro 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Decidi reduzir a leitura deste blogue aos meus amigos. Não sei se vou tornar isto um diário, mas por certo as reflexões vão continuar, o bater do coração contra a parede das palavras, o silêncio por vezes absurdo e literal. Sinto alma e encanto em ter estes amigos que me transportam e embalam pelas belas coisas e emoções do mundo.

domingo, 13 de setembro de 2009


Post 100 em seis meses.
Digamos que em números redondos temos 3.
Em letras redondas, 12, considerando os e, s, m e p, letras redondas.
Uma mesa redonda numa base redonda.
No horizonte, a curvatura do planeta, redondo.
As sombras caminham com o Sol.
O Sol pensa redondo.

sábado, 12 de setembro de 2009


Montado do Pereiro, 6 de Setembro 2009

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Montado do Pereiro, Poiso, 6 de Setembro 2009

...

Por vezes, um lugar torna-se a nossa prisão,

por mais belas que sejam as grades,

por mais puro que seja o ar que se respira.

E um novo dia nasce para os nossos olhos,

por serem eles pássaros de voos amplos,

mesmo que constrangidos à sua pupila imaginária.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Terreiro da Luta, 5 de Setembro 2009


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Poiso, Agosto 2009
Risco de incêndio. Risco de congelamento. Risco inexistente. Risco de risco.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

40. Um homem tem todas as qualidades mas estas são-lhe indiferentes.

Não é difícil descrever nas suas linhas gerais este homem de trinta e dois anos chamado Ulrich, embora a única coisa que ele saiba acerca de si próprio é que todas as qualidades são para ele ao mesmo tempo próximas e estranhas, e que todas elas, quer se tenham ou não tornado suas, lhe são curiosamente indiferentes. A mobilidade da alma que pressupõe simplesmente certos dons muitíssimos variados, vem juntar-se nele uma certa agressividade. É um espírito viril. Não se comove com os outros e só se põe no lugar deles quando os seus desígnios exigem que ele os conheça. Só respeita os direitos dos outros quando sente respeito por esses outros, o que é raro. Desenvolveu-se nele, com o tempo, um certo gosto pela negação, uma dialética subtil do sentimento que o induz com facilidade a descobrir defeitos naquilo que geralmente beneficia da aprovação geral, a tomar a defesa do que é proibido e a recusar as obrigações com uma má vontade que procede da vontade de criar a si próprio obrigações. A despeito dessa vontade e fora as raras excepções que por vezes concede a si próprio, abandona simplesmente a sua direcção moral a esse beneplácito cavalheiresco que, na sociedade burguesa, dirige mais ou menos todos os homens desde que vivam numa situação regular; sendo assim, vemo-lo praticar com orgulho a brutalidade e o desdém de um homem que sabe possuir uma vocação, se sente capaz de viver uma vida diferente, fazendo das suas capacidades e das suas inclinações um uso mais ou menos vulgar, vantajoso e social. Tinha o hábito de considerar muito naturalmente e sem qualquer vaidade como o instrumento de um desígnio não destituido de importância que pensava poder conhecer a tempo; ainda agora, no início daquele ano de busca inquieta, depois de haver dado o passo mais arriscado da sua vida, reencontrava a sensação de estar no bom caminho e não fazia qualquer esforço particular para concretizar o seu plano. Numa natureza destas não se torna muito fácil averiguar qual a paixão que a conduz; a forma que foi dada pelas circunstâncias e as suas disposições pessoais tornam-na equívoca, nenhuma contrapressão real desmascarou o seu destino, mas o principal é que lhe falta ainda, para se decidir, qualquer coisa que ela desconhece. Ulrich é um homem que algo obriga a viver contra si póprio, quando parece querer esquivar-se a todo o constragimento.

A comparação do mundo com um laboratório recordara-lhe uma das suas velhas ideias. A vida que lhe teria agradado imaginava-a ele outrora como uma vasta estação experimental onde se estudaria a melhor maneira de se ser homem e se descobririam outras novas. O facto de este conjunto de laboratórios trabalhar um pouco ao acaso, de lhes faltar qualquer teoria, qualquer direcção geral, isso era outro assunto. Poder-se-ia dizer, sem receio de errar, que Ulrich teria querido ser como que um senhor ou um príncipe do espírito: na verdade, quem o não deseja? Isto é mesmo tanto mais natural porquanto o espírito é considerado o que há de mais elevado no mundo, o soberano todo-poderoso. É isto o que se ensina. Tudo aquilo que tem possibilidades de o fazer, ornamenta-se com o espírito, enfeita-se com ele. O espírito, combinado com outra coisa é o que há de mais espalhado pelo mundo.”O espírito de fidelidade”, “o espírito do amor”, um “espírito viril”, um “espírito culto”, o “maior espírito do nosso tempo”, “queremos preservar o espírito desta ou daquela coisa”, “queremos agir dentro do espírito do nosso movimento”: ah, o belo som que isto produz, mesmo nas classes mais baixas! Ao pé disto, tudo o resto, o crime quotidiano, a cupidez assídua, surge então como a sujidade inconfessável que Deus tira das unhas dos pés.
Mas quando o espírito fica só, substantivo nu, glabro como um fantasma a quem apetece emprestar um sudário, o que é afinal? Podemos ler os poetas, estudar os filósofos, comprar quadros, discutir a noite inteira: aquilo que se ganha será isso espírito? Admitindo mesmo que se ganha espírito conseguiremos mantê-lo? Esse espírito está ligado intimamente à forma que assumiu para entrar em cena! Passa através daquele que gostaria de o conservar, deixando-lhe apenas um ligeiro arrepio. Que vamos nós fazer com todo todo esse espírito? Ele vai-se produzindo continuamente em quantidades astronómicas sobre toneladas de papel, de pedra e de tela, também não paramos de o consumir num constante despender de energia nervosa: mas para onde vai ele depois? Desaparece como uma miragem? Dissolve-se em partículas? Subtrai-se à lei terrestre da conservação da matéria? As parcelas de poeira que descem até ao fundo de nós e aí se imobilizam não têm qualquer relação com o gasto feito. Para onde é que ele foi? Onde está, o que é? Talvez se formasse à volta desta palavra “espírito”, se acaso soubéssemos mais alguma coisa acerca dela, um círculo de silêncio angustiante...

Caíra a noite. Algumas casas, como que arrancadas do espaço, do asfalto, dos carris de ferro, formavam a concha cada vez mais fria da cidade. A concha-mãe, repleta de movimentos humanos, ingénuos, alegres ou raivosos, onde cada um de nós começa por uma gotícula que brota, que esguicha, por uma pequena explosão, é arrefecido pelas paredes, suaviza-se, imobiliza-se, fica docemente preso à concha-mãe e finalmente agarra-se como uma semente à parede. Ulrich pensou de súbito: “Porque não me fiz eu peregrino?” Os seus sentidos imaginavam uma vida pura, absoluta, de uma frescura total como ar límpido. Aquele que não quer dizer “sim” à vida devia ao menos opor-lhe o “não” dos santos; contudo, pensar nisso a sério era-lhe totalmente impossível. Também, não teria podido fazer-se aventureiro, muito embora essa vida se devesse assemelhar a um noivado eterno cujos prazeres os seus membros e a sua coragem adivinhavam. Ele não poderia ter sido um poeta nem um desses desiludidos que já só acreditam no dinheiro e na violência, embora tivesse disposições para ser tudo isso. Esqueceu a idade que tinha e imaginou estar nos vinte anos: já então uma disposição interior o impedia de ser qualquer uma dessas coisas; algo de mais poderoso se lhe opunha. Porque vivia ele pois de uma maneira tão pouco clara e indecisa? Por certo, dizia consigo, o que o isolava nessa existência anónima e confinada não era mais do que essa obrigação de ligar e desligar o mundo que se designa por uma palavra que ninguém gosta de empregar sozinha: o espírito. Ulrich sem ao menos saber porquê, sentiu-se de repente triste e pensou: “Simplesmente, não gosto de mim próprio”. No corpo gelado e petrificado da cidade ele sentia palpitar, lá no fundo, o seu coração. Existia qualquer coisa dentro dele que nunca quisera ficar em parte nenhuma, sentindo ao longo de si as paredes do mundo e dizendo consigo que havia ainda milhões de outras; esse Eu, gota irrisória, lentamente arrefecida, que não queria ceder o seu fogo, o seu minúsculo centro de fogo.

O espírito sabe que a beleza pode tornar uma pessoa bondosa, má, estúpida ou sedutora. Disseca um carneiro e um penitente e encontra em ambos humildade e paciência. Analisa uma substância e verifica que, tomada em grandes quantidades, é um veneno, e em pequenas doses, um excitante. Sabe que a mucosa dos lábios está aparentada com o intestino, mas sabe também que a humildade desses mesmos lábios tem relação com o que é sagrado. Ele mistura, dissolve, recompõe de forma diferente. Para ele, o bem e o mal, o alto e o baixo, não são, como para o céptico, noções relativas, mas sim termos de uma função, valores que dependem do contexto em que se encontram. Os séculos ensinaram-lhe que os vícios se podem tornar em virtudes e vice-versa; e considera puro desleixo o facto de, no decorrer de uma vida, não se ter conseguido ainda recuperar um criminoso. Não admite nada de lícito nem de ilícito, porque tudo pode possuir uma qualidade que a fará participar um dia num novo grande sistema. Odeia secretamente como a morte tudo aquilo que finge ser imutável, os grandes ideais, as grandes leis e a sua pequena imagem petrificada: o homem satisfeito. Nada há que ele considere fechado, nenhuma pessoa, nenhuma ordem; porque os nossos conhecimentos podem modificar-se cada dia, ele não acredita em nenhuma ligação e cada coisa só mantém o seu valor até ao próximo acto da criação, como um rosto a quem se fala e que se vai alterando com as palavras.

Robert Musil, O Homem sem Qualidades, tradução de Mário Braga do francês, Editora Livros do Brasil