quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Digamos que estou naqueles momentos de reflexão, por vezes de angústia, mas ao mesmo tempo de uma serenidade frenética. Um certo cansaço. Um certo desfazamento existencialista. O amor traz em si algo que não seria natural na sua existência: a exigência de ser amado. O amor será sempre insaciável, ou será essa predisposição para reivindicar, uma herança marxista, indissociável. Melhores condições de vida: unidos venceremos! o povo é quem mais ordena!
O amor é vermelho. Comunista nos seus ideais de harmonia, mas com instintos totalitários de hegemonia na sua natureza? A luta continua.


Montado do Pereiro, Poiso, Setembro 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Decidi reduzir a leitura deste blogue aos meus amigos. Não sei se vou tornar isto um diário, mas por certo as reflexões vão continuar, o bater do coração contra a parede das palavras, o silêncio por vezes absurdo e literal. Sinto alma e encanto em ter estes amigos que me transportam e embalam pelas belas coisas e emoções do mundo.

domingo, 13 de setembro de 2009


Post 100 em seis meses.
Digamos que em números redondos temos 3.
Em letras redondas, 12, considerando os e, s, m e p, letras redondas.
Uma mesa redonda numa base redonda.
No horizonte, a curvatura do planeta, redondo.
As sombras caminham com o Sol.
O Sol pensa redondo.

sábado, 12 de setembro de 2009


Montado do Pereiro, 6 de Setembro 2009

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Montado do Pereiro, Poiso, 6 de Setembro 2009

...

Por vezes, um lugar torna-se a nossa prisão,

por mais belas que sejam as grades,

por mais puro que seja o ar que se respira.

E um novo dia nasce para os nossos olhos,

por serem eles pássaros de voos amplos,

mesmo que constrangidos à sua pupila imaginária.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Terreiro da Luta, 5 de Setembro 2009


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Poiso, Agosto 2009
Risco de incêndio. Risco de congelamento. Risco inexistente. Risco de risco.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

40. Um homem tem todas as qualidades mas estas são-lhe indiferentes.

Não é difícil descrever nas suas linhas gerais este homem de trinta e dois anos chamado Ulrich, embora a única coisa que ele saiba acerca de si próprio é que todas as qualidades são para ele ao mesmo tempo próximas e estranhas, e que todas elas, quer se tenham ou não tornado suas, lhe são curiosamente indiferentes. A mobilidade da alma que pressupõe simplesmente certos dons muitíssimos variados, vem juntar-se nele uma certa agressividade. É um espírito viril. Não se comove com os outros e só se põe no lugar deles quando os seus desígnios exigem que ele os conheça. Só respeita os direitos dos outros quando sente respeito por esses outros, o que é raro. Desenvolveu-se nele, com o tempo, um certo gosto pela negação, uma dialética subtil do sentimento que o induz com facilidade a descobrir defeitos naquilo que geralmente beneficia da aprovação geral, a tomar a defesa do que é proibido e a recusar as obrigações com uma má vontade que procede da vontade de criar a si próprio obrigações. A despeito dessa vontade e fora as raras excepções que por vezes concede a si próprio, abandona simplesmente a sua direcção moral a esse beneplácito cavalheiresco que, na sociedade burguesa, dirige mais ou menos todos os homens desde que vivam numa situação regular; sendo assim, vemo-lo praticar com orgulho a brutalidade e o desdém de um homem que sabe possuir uma vocação, se sente capaz de viver uma vida diferente, fazendo das suas capacidades e das suas inclinações um uso mais ou menos vulgar, vantajoso e social. Tinha o hábito de considerar muito naturalmente e sem qualquer vaidade como o instrumento de um desígnio não destituido de importância que pensava poder conhecer a tempo; ainda agora, no início daquele ano de busca inquieta, depois de haver dado o passo mais arriscado da sua vida, reencontrava a sensação de estar no bom caminho e não fazia qualquer esforço particular para concretizar o seu plano. Numa natureza destas não se torna muito fácil averiguar qual a paixão que a conduz; a forma que foi dada pelas circunstâncias e as suas disposições pessoais tornam-na equívoca, nenhuma contrapressão real desmascarou o seu destino, mas o principal é que lhe falta ainda, para se decidir, qualquer coisa que ela desconhece. Ulrich é um homem que algo obriga a viver contra si póprio, quando parece querer esquivar-se a todo o constragimento.

A comparação do mundo com um laboratório recordara-lhe uma das suas velhas ideias. A vida que lhe teria agradado imaginava-a ele outrora como uma vasta estação experimental onde se estudaria a melhor maneira de se ser homem e se descobririam outras novas. O facto de este conjunto de laboratórios trabalhar um pouco ao acaso, de lhes faltar qualquer teoria, qualquer direcção geral, isso era outro assunto. Poder-se-ia dizer, sem receio de errar, que Ulrich teria querido ser como que um senhor ou um príncipe do espírito: na verdade, quem o não deseja? Isto é mesmo tanto mais natural porquanto o espírito é considerado o que há de mais elevado no mundo, o soberano todo-poderoso. É isto o que se ensina. Tudo aquilo que tem possibilidades de o fazer, ornamenta-se com o espírito, enfeita-se com ele. O espírito, combinado com outra coisa é o que há de mais espalhado pelo mundo.”O espírito de fidelidade”, “o espírito do amor”, um “espírito viril”, um “espírito culto”, o “maior espírito do nosso tempo”, “queremos preservar o espírito desta ou daquela coisa”, “queremos agir dentro do espírito do nosso movimento”: ah, o belo som que isto produz, mesmo nas classes mais baixas! Ao pé disto, tudo o resto, o crime quotidiano, a cupidez assídua, surge então como a sujidade inconfessável que Deus tira das unhas dos pés.
Mas quando o espírito fica só, substantivo nu, glabro como um fantasma a quem apetece emprestar um sudário, o que é afinal? Podemos ler os poetas, estudar os filósofos, comprar quadros, discutir a noite inteira: aquilo que se ganha será isso espírito? Admitindo mesmo que se ganha espírito conseguiremos mantê-lo? Esse espírito está ligado intimamente à forma que assumiu para entrar em cena! Passa através daquele que gostaria de o conservar, deixando-lhe apenas um ligeiro arrepio. Que vamos nós fazer com todo todo esse espírito? Ele vai-se produzindo continuamente em quantidades astronómicas sobre toneladas de papel, de pedra e de tela, também não paramos de o consumir num constante despender de energia nervosa: mas para onde vai ele depois? Desaparece como uma miragem? Dissolve-se em partículas? Subtrai-se à lei terrestre da conservação da matéria? As parcelas de poeira que descem até ao fundo de nós e aí se imobilizam não têm qualquer relação com o gasto feito. Para onde é que ele foi? Onde está, o que é? Talvez se formasse à volta desta palavra “espírito”, se acaso soubéssemos mais alguma coisa acerca dela, um círculo de silêncio angustiante...

Caíra a noite. Algumas casas, como que arrancadas do espaço, do asfalto, dos carris de ferro, formavam a concha cada vez mais fria da cidade. A concha-mãe, repleta de movimentos humanos, ingénuos, alegres ou raivosos, onde cada um de nós começa por uma gotícula que brota, que esguicha, por uma pequena explosão, é arrefecido pelas paredes, suaviza-se, imobiliza-se, fica docemente preso à concha-mãe e finalmente agarra-se como uma semente à parede. Ulrich pensou de súbito: “Porque não me fiz eu peregrino?” Os seus sentidos imaginavam uma vida pura, absoluta, de uma frescura total como ar límpido. Aquele que não quer dizer “sim” à vida devia ao menos opor-lhe o “não” dos santos; contudo, pensar nisso a sério era-lhe totalmente impossível. Também, não teria podido fazer-se aventureiro, muito embora essa vida se devesse assemelhar a um noivado eterno cujos prazeres os seus membros e a sua coragem adivinhavam. Ele não poderia ter sido um poeta nem um desses desiludidos que já só acreditam no dinheiro e na violência, embora tivesse disposições para ser tudo isso. Esqueceu a idade que tinha e imaginou estar nos vinte anos: já então uma disposição interior o impedia de ser qualquer uma dessas coisas; algo de mais poderoso se lhe opunha. Porque vivia ele pois de uma maneira tão pouco clara e indecisa? Por certo, dizia consigo, o que o isolava nessa existência anónima e confinada não era mais do que essa obrigação de ligar e desligar o mundo que se designa por uma palavra que ninguém gosta de empregar sozinha: o espírito. Ulrich sem ao menos saber porquê, sentiu-se de repente triste e pensou: “Simplesmente, não gosto de mim próprio”. No corpo gelado e petrificado da cidade ele sentia palpitar, lá no fundo, o seu coração. Existia qualquer coisa dentro dele que nunca quisera ficar em parte nenhuma, sentindo ao longo de si as paredes do mundo e dizendo consigo que havia ainda milhões de outras; esse Eu, gota irrisória, lentamente arrefecida, que não queria ceder o seu fogo, o seu minúsculo centro de fogo.

O espírito sabe que a beleza pode tornar uma pessoa bondosa, má, estúpida ou sedutora. Disseca um carneiro e um penitente e encontra em ambos humildade e paciência. Analisa uma substância e verifica que, tomada em grandes quantidades, é um veneno, e em pequenas doses, um excitante. Sabe que a mucosa dos lábios está aparentada com o intestino, mas sabe também que a humildade desses mesmos lábios tem relação com o que é sagrado. Ele mistura, dissolve, recompõe de forma diferente. Para ele, o bem e o mal, o alto e o baixo, não são, como para o céptico, noções relativas, mas sim termos de uma função, valores que dependem do contexto em que se encontram. Os séculos ensinaram-lhe que os vícios se podem tornar em virtudes e vice-versa; e considera puro desleixo o facto de, no decorrer de uma vida, não se ter conseguido ainda recuperar um criminoso. Não admite nada de lícito nem de ilícito, porque tudo pode possuir uma qualidade que a fará participar um dia num novo grande sistema. Odeia secretamente como a morte tudo aquilo que finge ser imutável, os grandes ideais, as grandes leis e a sua pequena imagem petrificada: o homem satisfeito. Nada há que ele considere fechado, nenhuma pessoa, nenhuma ordem; porque os nossos conhecimentos podem modificar-se cada dia, ele não acredita em nenhuma ligação e cada coisa só mantém o seu valor até ao próximo acto da criação, como um rosto a quem se fala e que se vai alterando com as palavras.

Robert Musil, O Homem sem Qualidades, tradução de Mário Braga do francês, Editora Livros do Brasil

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Admiro intensamente Ingeborg Bachmann. Não sei explicar esta inclinação. Em português existe uma colectânea de contos, 30 anos, na Relógio d'água, e o romance Malina, nas Edições 70, mas penso que esgotado. Este romance é algo de muito singular, em que a admiração por Musil é notória, mas sem nunca perder a voz única e imensamente delicada e poética desta escritora, mais conhecida pela sua poesia. Aqui vão textos da sua adolescência.

Vellach, 16 mai 1945

Très cher,
Si maintenant j’avais une âme, je devais la chercher dans la nuit obscure, comme celle que j’aperçois par la fenêtre ce soir. Voici des jours que je n’ai parlé, que je suis privé des sens éveillés qui me portent vers toi, m’entraînent dans les monts et me précipitent dans les abysses. J’ai parfois l’impression que je t’aime.
Mais souvent un bras étrange est sur mon corps, qui essaie en tremblant de me caresser, une bouche que essaie de boire à moi.
Je le souffre et le désire. Je suis tout à la foi énigmatique et transparente.
Je suis aussi bonne que mauvaise.
Mais je voudrais être pour toi pareille à la plus belle fleur de cerisier, aux roses silencieuses au bord du lac ou aux nuées au-dessus de la forêt.
Je t’aime tant.
Un courant d’air glace passé par la fenêtre et me reveille. Peut-être suis-je presque prête à retirer le dernier voile-
Mês yeux se ferment.
Je viens à toi comme sur dês pieds blessés. Il en sera toujours ainsi: où que je me rende, je te vois et suis dans le royaume des plus amères béatitudes.

…..

6 juillet 1945

Chéri, chéri
Ce désir ardent, ces souspirs du moi oreiller! Je suis heureuse, infiniment heureuse, d’être si pleine de cette pensée. Peut-être viendras-tu, peut-être passeras-tu la porte pour disposer de moi. Je suis tellement prête à donner.
J’attends, non, je ne peux attendre plus longtemps…Je vais aller au-devant dês choses et agir. Une decision. Une première decision! Ne manque maintenant que le bonheur de la réalisation.
-Quelles prières Dieu doit entendre aujourd’hui! Et je nomme prière cette attente balbutiante.
-Tu souris.- Oh, si seulement tu pouvais. Je voudrais m’agenouiller devant toi, que la joie puísse me venir de ta chère bouche. Mes bras t’enveloppe-raient dans le plus pur amour de démesure. Mes baisers seraient des sources jaillissantes. La sérénité seule. – Même la fraîcheur, derrière ma fenêtre nocturne, me fait frissonner de chaleur. Cette vaillance est si divine, il est si exaltant de se sentir “maître”.
Je suis jeune et riche, je suis le monde.
O si seulement tu venais. Je serais plus riche encore de donner.
Tout, tout est tien.
Rien ne devrait rester mien, si seulement tu étais présent. La prodigalité est liberté. Et tu ne saurais en prendre ombrage.
Je t’aime et je t’embrasse, je suis enchantée, dans chaque pensée je suis dans tes bras.

Ingeborg Bachmann, Lettres à Felician, Actes Sud 2006

quarta-feira, 2 de setembro de 2009





Seixal, Julho 2009
Existe um abismo profundo de serenidade
neste adormecer secreto e permanente.
A nossa lua enche-se de marés planantes.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Gosto da manhã. De respirar o ar da manhã.
Gosto de saborear o dia enquanto ele ainda é um sonho.
De sentir aquele ar fresco a entrar pelos pulmões como uma droga proibida.
De sentir o silêncio a ser alimentado por animais, árvores e flores.
De tocar a água fria e límpida. De me estontear de alegria e prazer.
Por beber e respirar a manhã.