sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Adamastor, 8.2.2009
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O que sinto. Eis de novo quando comecei este blogue. Penumbra. Sentimentos intensos que não encontraram o seu meio de expressão. Coração sobressaltado por uma ansiedade revelada na brutal condição de ser recusado. Amor que foi. Amor que ficou. Demoro-me a pensar no que ainda poderia ser. Exercício masoquista de espremer o amor gota a gota, como se estivéssemos a sôro. Acamados na nossa impotência em lidar com a morte do amor. Não importa chamar alguém. Não existe nada para preencher esse vazio. Só um olhar vago, em que tudo, de repente, parece parar. Estaremos no céu? Não sinto asas, não sinto passos. Não encontro movimento nos meus gestos. Sorrio levemente. Sinto uma nuvem fresca a entrar na minha boca. Será um beijo? Ao menos aqui está fresco, e sinto uma paz estranha, como se eu tivesse desistido de sentir o quer que fosse. Fecho os olhos. O espaço celestial. Vejo os teus olhos. A tua boca. O teu sorriso. Vive-se melhor a sonhar, mas quando queremos agarrar o nosso amor, sentimos que ele nunca se tornou completamente real. Tudo vai e vem, num movimento contínuo de ansiedade e satisfação. Exigimos demasiado. Agarramo-nos às frustrações como condecorações de guerra. Nunca damos tudo, por pensarmos no contexto perfeito, por medo de não sermos compreendidos no nosso âmago. Tudo obedece à sua verdadeira natureza: de mutação constante, de impermanência. Nada podemos fazer para condicionar o que não é. Mesmo um sonho. Preciso descansar, só isso. Depois, irei acordar. Quem sabe se conseguirei ver as coisas como elas são. Se sonho. Se amo. Se vivo.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Tudo isto é inútil. A escrita. A vontade que temos em desabafar. Hoje estamos mal, amanhã bem, depois mal e outra vez bem. É inútil justificar o que quer que seja. Explicar. Pensar nisso vezes sem conta. O que fica, e o que nos acompanha são sentimentos impalpáveis, mas gravados na carne, são emoções soltas, sempre desenraizadas de algum fio condutor. Somos assim, caóticos, egoístas, indolentes, pouco afirmativos naquilo que realmente interessa. Somos lamechas, vítimas, tentamos corrigir o passado.
Gostava de viver melhor o essencial, de usufruir da sabedoria que permite degustar cada momento, e esquecer a sua duração, a sua perda, o seu brilho. Mas existem momentos que queremos fazer parar no tempo, como que expecados e deslumbrados com a sua beleza e perfeição. Não pensamos, que esse momento que perdura, no fundo é a morte, a alegria esquelética, o infinito glaciar.
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4-8-2010

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Encontro um ensaio interessante sobre o Homem sem Qualidades de Brutus Abel, que pode ser lido na íntegra aqui. Português do Brasil, mas por aqui em Portugal, ainda não vislumbrei qualquer ensaio com alguma substância. Aguardemos, e apreciemos o que existe.

"O romance Der Mann ohne Eigenschaften costuma ser traduzido por O homem sem qualidades; entretanto, como a palavra Eigenschaft agrega outras sutis significações, ele também poderia ser traduzido por O homem sem qualidades definidas ou por O homem indefinido. Com tal título, Musil evoca uma dupla posição: uma, genérica, contrária à cruel ideologia pragmática do selfmade-man norte-americano, que incita à selvagem competição; a outra, específica, a favor do teor de indeterminação que caracteriza a introspectiva existência de seu protagonista. Apesar de possuir, em potência, todas as qualidades para se tornar um homem de qualidades, em acto, Ulrich não o faz e não parece querer fazê-lo.
Ele resiste à alienação que, não raro, deriva de uma excessiva divisão social do trabalho e de uma excessiva especialização do saber; nega-se a comprar uma das inúmeras e ilusórias receitas de felicidade vendida por seus contemporâneos. Não deseja casar-se e constituir família, mas poderia muito bem conquistar uma bela mulher e com ela ter belos filhos; não deseja fazer fortuna, mas poderia, devido à sua rara inteligência e às oportunidades que lhe são apresentadas, enriquecer-se, deixar de trabalhar e desfrutar do cobiçado luxo que a riqueza proporciona; não deseja tornar-se célebre, mas poderia muito bem executar fabulosas obras literárias ou filosóficas que despertassem a admiração e a inveja; não deseja ser qualquer coisa e, talvez justamente por isso, pode ser tudo. Para desgosto de seu pai, um velho juiz, um homem com qualidades, que, na sua ingenuidade de legalista, o impulsiona ao trato e ao comércio com a alta sociedade, ele não possui nenhum desses desejos engendrados e intensamente operantes na moderna sociedade burguesa, mesmo que se mantenha, socialmente, um burguês. Num mundo permeado de oportunismo e de hipocrisia, ele é, paradoxalmente, o único a manter-se íntegro, por mais que não acredite em nada do que faz. Discreto e reservado, ele participa da vida em sociedade e participa mesmo sabendo —ou intuindo saber— que tudo é extremamente patético e inútil. Os motivos que o levam a assim proceder não se relacionam a uma cômoda resignação diante das opressivas forças exteriores, mas a um consciente experimento. Como nada o prende a nada, o engajamento é para ele um pretexto, um pretexto para explorar a sua própria natureza; segundo suas próprias palavras, esta é “(...) uma máquina que desvaloriza constantemente a vida!” (MUSIL, 1989, p. 633.) Cumpre a Ulrich despersonalizar-se, desumanizar-se, tornar-se, em cada fecundo momento, um outro; daí ele projectar viver em contemplação das suas próprias acções e das acções alheias, “viver como se lê”3: viver uma “vida por hipótese”, para usar o conceito de sua juventude, uma vida de “ensaio”, para usar o conceito de sua maturidade:

A vontade de sua própria natureza, de se desenvolver, proíbe-o de crer no acabado; mas tudo o que enfrenta parece ser acabado. Ele pressente: essa ordem não é tão sólida quanto finge ser; nenhuma coisa, nenhum eu, nenhuma forma, nenhum princípio é certo, tudo se encontra numa transformação invisível e incessante, no instável há mais futuro do que no estável, e o presente não é senão uma hipótese que ainda não superamos. O que ele poderia fazer de melhor senão manter-se livre desse mundo, naquele bom sentido com que um pesquisador se mantém livre diante dos factos que o querem seduzir e fazer acreditar neles precipitadamente?! Por isso, hesita em fazer algo consigo mesmo: um carácter, uma profissão, uma maneira sólida de ser, são conceitos em que já aparece a caveira que por fim sobrará de sua pessoa. Ele procura compreender-se de outra forma; com inclinação para tudo que o multiplique interiormente, ainda que moral ou intelectualmente proibido, sente-se como um passo livre em todas as direcções, mas que leva de um equilíbrio a outro equilíbrio, seguindo sempre em frente. E se alguma vez pensa ter a idéia certa, percebe que uma gota de indizível fogo caiu no mundo, e sua luz faz tudo parecer diferente./ (...) isso se transformou em Ulrich numa idéia que já não ligou à incerta hipótese, mas, por determinadas razões, ao conceito singular de ensaio. Mais ou menos como um ensaio examina um assunto de muitos lados em seus variados capítulos, sem o analisar inteiro (...), ele acreditava ver e tratar corretamente o mundo e a própria vida. O valor de um acto ou de uma qualidade, sim, até sua natureza e essência, lhe pareciam dependentes das circunstâncias que os rodeiam, dos objetivos a que servem, em suma, do todo constituído ora assim ora assado, ao qual pertencem. De resto, isso é apenas a simples descrição do facto que um assassinato nos pode parecer crime ou acto heróico, e a hora de amor a pluma caída da asa de um anjo ou de um ganso. (...) Desta forma, todos os acontecimentos de ordem moral ocorriam num campo de força cuja constelação lhes conferia sentido, e continham o bem e o mal como um átomo contém possibilidades de combinações químicas. (...) todos os factos morais lhe pareciam, em seu significado, funções dependentes de outras. Assim, surgia um infinito sistema de relações em que não havia mais quaisquer significados independentes como a vida comum os atribui, numa primeira aproximação grosseira, aos actos e qualidades; o que parecia ser sólido tornava-se pretexto permeável para muitos outros significados, o que acontecia tornava-se símbolo de algo que talvez nem acontecesse, mas que era sentido; e o ser humano enquanto resumo de suas possibilidades, o ser potencial, o poema não escrito de sua existência, opunha-se ao ser humano como texto, realidade e caráter. No fundo, nessa concepção Ulrich sentia-se capaz de qualquer virtude ou maldade (...). (MUSIL, 1989, p. 180-181.)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

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Por vezes,
acontece,
sermos fecundados
por palavras de amor.

Quando rebentam as águas,
Afinal,
São só lágrimas e dôr,
Mais nada.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu (braço,)
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento.
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não?
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Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido,
Mas tão de leve!...
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Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há uma coisa
Incompreendida...
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Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
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Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.
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Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.
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9-5-1934
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Fernando Pessoa

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

QUANDO SE É TOCADO , MESMO O TOQUE DE ALGUÉM PODE ILUDIR
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Bhagavad-Gita