quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ano que começou sobre o signo da inquietação. Euforia amorosa misturada com preocupações grandes de Pai. Segundo semestre de equilíbrio gradual e nova comunidade familiar: Sara, Rodrigo e Teresa. Agora procuro regressar à meditação, às leituras, à pintura e à escrita.
Obrigado a todos os meus amigos que me acompanham e me iluminam o coração.

Rodrigo, Agosto 2009, Aldeia do Meco
O meu gosto musical é algo de muito diversificado. Considero até ser de boa têmpera e substância. Intrigo-me por vezes pelo gosto por sons repetitivos, por uma música electrónica filiada na chamada Berlin-School (Tangerine Dream, Klaus Schulze,etc), onde o som vai evoluindo segundo uma base obssessiva de ritmos em arpeggio. Para mim é a música por excelência para trabalhar, mas olhando friamente para a coisa, é algo extremamente chato para a maioria. O que tem esta música de encantatório para os sentidos? Também a polifonia renascentista produz em mim um mundo de emoções infinito. Parece que a música entra em nós e começa a percorrer um caminho que a nossa consciência não consegue acompanhar. É uma viagem, uma “trip”. Agrada-me que a música tenha esse carácter inconclusivo, infinito, impalpável ao eu inteligente. Deve ser divertido observar os efeitos no cérebro, mas como saber o seu efeito emocional? E diríamos ser uma música tão fria! Depois é uma música de qualidade mais que discutível, e quando resvala, nem sempre, para um terreno “new age”, existe um perigo real de se sofrer de diabetes auditivo. Guloseimas espirituais, Iogas tónicos, mundos ideais a que se chega mediante uma série de receitas e mapas astrais. Existem muitas coisas essenciais a serem ditas pelos gurus “new age”, mas a obrigatoriedade de quase construirmos a pessoa perfeita faz com que muito do bom, que por imperfeito e incompreensível, exista, nós o queiramos ver pelas costas. Quando a música sai do seu carácter etéreo e abstracto e fica demasiado descritiva e agradável (nada que se assemelhe a beleza para mim), eu fujo a essa onda. Existe muita gente a fazer esta música, e alguns conseguem fazer um disco realmente envolvente, e os restantes de um gosto super duvidoso. Além de Klaus Schulze, músico fundador desta escola com Manuel Göttsching dos Ash Ra Tempel, que revelou uma constante qualidade na sua música, os Tangerine Dream não se mostraram tão constantes na qualidade das suas incursões. Mais recentes, os Radio Massacre International, e os Redshift sobressaem entre outros. Depois temos também alguém que estendeu a sua influência a vários campos: Steve Roach. Mas este merece um post à parte, tal a sua música nos toca em vários sentidos. Do que tenho estado a ouvir enquanto escrevo: Frank Van der Wel-eruptions(2001); ARC(Ian Boddy(músico influente e prolífico, mas só a espaços com temas interessantes, álbuns completos nem pensar)+Mark Shreeve (Redshift) e o tema “fracture” do álbum homónimo(2007), e Frank Klare-Berlin Parks(2003) e o excelente tema de 19minutos, Mauerpark.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

As três lições da Índia.

Em primeiro lugar, foi a descoberta da existência de uma filosofia, ou melhor, de uma dimensão espiritual indiana que não era, nem aquela da Índia clássica – digamos, aquela dos Upanishades e do Vedanta, em suma, a filosofia monista -, nem a da devoção religiosa: a bhakti. Quer o ioga quer a sâmkhya(http://pt.wikipedia.org/wiki/Samkhya)professam o dualismo; de um lado, a matéria , do outro, o espírito. Contudo, não era o dualismo que me interessava, era o facto de, no samkhya e no ioga, o homem, o universo e a vida não serem ilusórios. A vida é real, o mundo é real. E podemos conquistar o mundo, podemos dominar a vida. Aquele que, no tantrismo por exemplo, melhor assume a vida humana pode ser transfigurado por rituais, efectuados no seguimento de uma longa preparação ióguica. Trata-se de uma transmutação da actividade fisiológica, por exemplo da actividade sexual. Na união ritual, o amor deixa de ser um acto erótico ou um acto simplesmente sexual. É uma espécie de sacramento; exatamente como beber vinho, na experiência tâtrica, não é beber uma bebida alcoolizada, mas partilhar um sacramento…Logo descobri (…)que a Índia conheceu determinadas técnicas psicofisiológicas, graças às quais o homem pode, ao mesmo tempo, fruir da vida e dominá-la. A vida pode ser transfigurada por uma experiência sacramental.
O segundo ensinamento, foi o sentido do símbolo. (…)Foi-me dado viver numa cidade de Begala, e vi mulheres e jovens raparigas que tocavam e decoravam um linga, um símbolo fálico, mais precisamente um falos de pedra, anatomicamente bastante exacto; e, bem entendido, as mulheres casadas não podiam ignorar a sua natureza, a sua função fisiológica. Compreendi então a possibilidade de ver o símbolo no linga. O linga era o mistério da vida, da criatividade, da fertilidade que se manifesta a todos os níveis cósmicos. Esta epifania da vida, era Shiva, não era o membro que conhecemos. Sendo assim, esta possibilidade de ficar religiosamente emocionado pela imagem e pelo símbolo, isso revelou-me todo um mundo dos valores espirituais.
Quanto à terceira descoberta, podemos chamá-la “a descoberta do homem neolítico”. Tive a sorte, pouco tempo antes da minha partida, de passar algumas semanas na Índia Central, entre os aborígenes, os Santali, quer dizer, os pré-arianos. Fiquei impressionado ao ver que a índia mergulha ainda as raízes muito profundas, não só na herança ariana ou dravidianas, mas também no solo asiático, na cultura aborígene. Trata-se de uma civilização neolítica, fundada sobre a agricultura, quer dizer, sobre a religião e a cultura que acompanhavam a descoberta da agricultura, nomeadamente a visão do mundo da natureza enquanto ciclo ininterrupto de vida, morte e ressurreição: ciclo específico da vegetação, mas que também rege a vida humana e constitui, ao mesmo tempo, um modelo para a vida espiritual…Reconheci, pois, a importância da cultura popular romena e balcânica. Como a da Índia, tratava-se de uma cultura folclórica, fundada sobre o mistério da agricultura.(…)Esta unidade de cultura, para mim, constitui uma revelação. Descobri que aqui, na própria Europa, as raízes são bem mais profundas do que se tinha pensado, mais profundas que o mundo grego ou romano, ou mesmo mediterrânico, mais profundas que o mundo do Próximo Oriente antigo. E essas raízes revelam-nos a unidade fundamental, não só da Europa, como também do todo ecuménico que se estende de Portugal à China e da Escandinávia ao Ceilão.
(…)Na Índia descobri o que mais tarde designei de “religiosidade cósmica”. Quer dizer, a manifestação do sagrado através dos objectos ou dos ritmos cósmicos: uma árvore, uma raiz, a Primavera. Esta religião, sempre viva na índia, é a mesma que os profetas combateram, com razão, pois Israel era o receptáculo de uma outra revelação religiosa. O monoteísmo mosaico(relativo a Moisés) comporta o conhecimento pessoal de um Deus que intervém na História e que não manifesta apenas a sua força através dos ritmos da natureza, através do cosmos, como se passa com os deuses da religiões politeístas. Vós sabeis que esse tipo de religião cósmica, que designamos de politeísmo ou de oaganismo, estava bastante desconsiderada, não só pelos teólogos, como também por certos historiadores das religiões. Eu, no entanto, vivi entre os pagãos, vivi entre aqueles que participam no sagrado pela mediação dos seus deuses. E os seus deuses eram figuras ou expressões do mistério do universo, desta raiz inesgotável de criação, de vida e de beatitude…Em suma, tratava-se de descobrir a importância e o valor espiritual do que chamamos paganismo.

em Mircea Eliade, A provação do Labirinto, diálogos com Claude-Henri Rocquet, Dom Quixote 1987
à caça de...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

De encantamento foi feito o olhar.
Da comunhão surgiu o abismo.
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O horizonte engoliu as brasas
de um Sol que quis ser estrela.

Funchal, 4 de Dezembro de 2009
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Benção das Capas.
Para a Sara desejo mesmo a melhor sorte do mundo e um empenho, com grande prazer, pelo que quiser fazer dos seus sonhos. Com muito amor e luz, minhas.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Campo da Barca, Funchal, Dezembro de 2009

Por vezes uma fotografia revela-nos algo que não estamos a olhar e a perceber que existe, mas está lá camuflada, escondida. Na vida deparamo-nos com os mais diversos sinais, que por falta de sintonia holística e emocional nos escapam em significado. Aqui temos uma lâmpada disfarçada de flôr, e uma pomba perfeitamente oculta. Mesmo o candeeiro surge vegetal. O fio em aço, onde começa e onde acaba ? São os limites do instante, não do encantamento.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Terreiro da Luta, Dezembro 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sara Graça: blogue ou horlogue ou logo(anti-tipo). Está bestial.
http://eusoumuitos.com/

Começem por ver o blogue processo. Viagem à concepção de tudo isto.
The fairest thing we can experience is the mysterious. It is the fundamental emotion which stands at the cradle of true art and true science. He who knows it not and can no longer wonder, no longer feel amazement, is as good as dead, a snuffed-out candle. It was the experience of mystery — even if mixed with fear — that engendered religion. A knowledge of the existence of something we cannot penetrate, of the manifestations of the profoundest reason and the most radiant beauty, which are only accessible to our reason in their most elementary forms — it is this knowledge and this emotion that constitute the truly religious attitude; in this sense, and in this alone, I am a deeply religious man. I cannot conceive of a God who rewards and punishes his creatures, or has a will of the type of which we are conscious in ourselves. An individual who should survive his physical death is also beyond my comprehension, nor do I wish it otherwise; such notions are for the fears or absurd egoism of feeble souls. Enough for me the mystery of the eternity of life, and the inkling of the marvelous structure of reality, together with the single-hearted endeavour to comprehend a portion, be it never so tiny, of the reason that manifests itself in nature.

Albert Einstein, em The World as I see It, 1949

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Parece-me que o nosso maior problema é o de termos perdido completamente o espírito verdadeiramente religioso. Podemos ter igrejas, ir à igreja, usar um símbolo sagrado, e tudo o mais, (..) mas não somos de facto pessoas religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível excepto o religioso.

em Krishnamurti, O Despertar da Sensibilidade, Editorial Estampa, 1992

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A minha forma de falar é realmente um dos meus truques para a meditação. Nunca se utilizou esta forma de falar: não falo para transmitir uma mensagem, antes pretendo parar o funcionamento da tua mente.(…)Não me preocupa se sou coerente, porque essa não é a minha intenção. Um homem que quer convencer e manipular-te através da sua forma de falar, tem que ser coerente, tem que ser lógico, tem que ser racional, tem que dominar o teu raciocínio. Pretende dominar com as palavras.
(…)Minha intenção é totalmente singular: utilizo as palavras para criar intervalos de silêncio. As palavras não são importantes, de modo que posso dizer qualquer coisa contraditória, qualquer coisa absurda, qualquer coisa sem relação, porque a minha intenção é somente criar intervalos. As palavras são secundárias; primeiro estão os silêncios entre essas palavras. É simplesmente um truque para que vislumbres a meditação. E quando saibas que para ti é possível, avançarás muito no teu próprio ser. A maioria das pessoas no mundo pensa que não é possível que a mente esteja em silêncio. E como acham que não é possível, não tentam. Minha razão básica para falar, foi dar uma oportunidade às pessoas de experimentar a meditação, de modo que posso falar eternamente, não importa o que estou a dizer. A única coisa que importa é a oportunidade que te dou para estares em silêncio, coisa que por ti mesmo, se afigura difícil.
Não te posso obrigar a estar em silêncio, mas posso criar um estratagema em que, sem dúvida, entrarás em silêncio espontaneamente. Estou a falar, e no meio de uma frase, quando tu esperas que apareça outra palavra, não aparece nada, só silêncio. E a tua mente está à espera de ouvir, algo, e como não se quer perder, naturalmente entra em silêncio. Que pode fazer a pobre mente? Se soubesses em que momento me vou calar, tendo a certeza em que momento me vou calar, então conseguirias pensar, e não entrarias em silêncio. Então saberias: “Este é o momento em que ele se vai calar, agora posso cochichar comigo mesmo”. Mas como chega absolutamente de repente…eu mesmo não sei, porque paro em determinado momento.

Em Osho, Autobiografia de um místico espiritualmente incorrecto, Planeta,2001