segunda-feira, 10 de maio de 2010


Capela Bruder-Klaus, Mechernich, Alemanha
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Zumthor neste seu livro tenta expôr as ideias que ele entende serem condutoras da qualidade arquitectónica (a qualidade vê-se quando as obras nos tocam) e do processo que ele próprio segue na criação da tal "atmosfera"nos seus projectos.
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1. O corpo da arquitectura
A presença material dos objectos de uma arquitectura, da construção.O que considero o primeiro e maior segredo da arquitectura, é que consegue juntar as coisas do mundo, os materiais do mundo e criar este espaço. Porque para mim é como uma anatomia. Tal como nós temos o nosso corpo com uma anatomia e coisas que não se vêem, uma pele...etc. Assim funciona a também a arquitectura e assim tento pensá-la
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2. A consonância dos materiais
Colocamos coisas de forma concreta, primeiro mentalmente, depois na realidade, evemos como reagem umas com as outras! Os materiais soam em conjunto e irradiam, e é desta composição que sai algo único. Existe uma proximidade crítica entre os materiais que depende dos próprios materiais de do seu peso
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3. O som do espaço
Oiçam! Cada espaço funciona como um instrumento grande, colecciona, amplia e transmite os sons. Isto tem a ver com a sua forma, com a superfície dos materiais e com a maneira como estão fixos. O som do espaço, o que primeiro me vem à cabeça são os sons de quando era criança, os barulhos da minha mãe a trabalhar na cozinha. Estes sempre me fizeram feliz. Acho muito bonito construir edifício e pensá-lo a partir do silêncio. Ou seja, fazê-lo calmo, o que é difícil, porque o nosso mundo é tão barulhento.
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4. A temperatura do espaço
Acredito que cada edifício tem uma certa temperatura. O facto de que os materiais retiram mais ou menos do nosso calor corporal é conhecido. Mas ao falar disto ocorre-me a palavra temperar. É semelhante a temperar pianos, ou seja, encontrar o ambiente certo. No sentido literal e figurativo. Quer dizer que a temperatura é física e provavelmente também psíquica. O que vejo, o que sinto, o que toco, ... mesmo com os pés.
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5. As coisas que me rodeiam
Acontece-me sempre que entro em edifícios, nas salas de alguém, amigos, conhecidos ou pessoas que não conheço, ficar impressionado com as coisas que eles têm no seu espaço de habitar ou de trabalhar. E, às vezes, não sei se conhecem esta sensação, constato uma forte relação, e amor, e cuidado, onde algo conjuga.Perguntei-me se terá sido tarefa da arquitectura criar o invólucro para receber estes objectos?
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6. Entre a serenidade e a sedução
Isto tem a ver com o facto de nós nos movimentarmos dentro da arquitectura.Ou seja, imagino como nos movimentamos neste edifício, e aí vejo os pólos de tensão com os quais gosto de trabalhar. Por exemplo, um corredor de hospital: condução. Mas existe também o seduzir (...). Espaços - aqui estou, eles começam a reter-me espacialmente, não estou de passagem. Estou bem aqui, mas neste momento ao virar a esquina, há algo que desperta a minha atenção, a luz que entra de certa maneira (...) E assim me encontro numa viagem de descoberta. Conduzir, seduzir. Largar, dar liberdade.
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7. A tensão entre interior e exterior
Na arquitectura retiramos um pedaço de globo terrestre e colocamo-lo numa pequena caixa. E de repente existe um interior e um exterior. Estar dentro e estar fora. Fantástico. E isto implica outras coisas igualmente fantásticas: soleiras, passagens, pequenos refúgios, passagens imperceptíveis entre interior e exterior, uma sensibilidade incrível para o lugar, uma sensibilidade incrível para a concentração repentina, quando este invólucro está de repente à nossa volta e nos reúne e segura, quer sejamos muitos ou apenas uma pessoa.
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8. Degraus da intimidade
Não sei muito sobre este tema, como vão rapidamente reparar. Relaciona-se com a proximidade e a distância. Um arquitecto clássico diria escala. Mas isso soa muito académico (...). Conhecem aquela porta alta estreita onde toda a gente fica bem? Conhecem esta porta mais larga, sem interesse, deselegante? Conhecem os portais grandes e intimidadores, onde só quem os abre fica bem e orgulhoso? Ou seja, o tamanho, a massa e o peso das coisas. A porta fina e a porta grossa. O muro grosso e o muro fino.
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9. A luz sobre as coisas
Uma das ideias favoritas é a seguinte: pensar o edifício primeiro como uma massa de sombra e a seguir, como num processo de escavação, colocar luzes e deixar a luminosidade infiltrar-se. A segunda idéia preferida é colocar os materiais e superfícies, propositadamente à luz e observar como refletem. Tenho de admitir que a luz do dia, a luz sobre as coisas me toca de uma forma quase espiritual. De manhã, quando o sol renasce – o que não deixo de admirar, é mesmo fantástico, volta todas as manhãs - e ilumina as coisas, surge então esta luz que não parece vir deste mundo! Não percebo esta luz. Tenho a sensação de que existe algo maior, que eu não percebo. Estou muito contente, estou inteiramente grato que isto exista.
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anexo 1. A arquitectura com espaço envolvente
Em suma, admito que provavelmente tudo se relaciona um pouco com o amor. Amo a arquitectura, amo os espaços envolventes construídos e acho que amo quando as pessoas os amam também. Devo admitir que me daria muito gozo criar coisas que os outros amem.
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anexo 2. Harmonia
É mais uma sensação. As coisas encontraram-se, estão em si. Porque são o que querem ser. O facto de ela ser uma arte para ser utilizada, é a tarefa mais nobre da arquitectura. Mas o mais belo é quando as coisas se encontram, quando se harmonizam. Formam um todo. O lugar, a utilização e a forma.
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anexo 3. A forma bonita
A forma bonita. Encontro-a talvez em ícones, reconheço-a por vezes em naturezas mortas, que me ajudam a ver como algo encontrou a sua forma, mas também nas ferramentas do dia-a-dia, na literatura e nas peças musicais
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em Peter Zumthor, Atmosferas, Editora Gustavo Gili, 2006

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