sábado, 25 de abril de 2009

. Neste dia tão belo como foi o 25 de Abril, pela mobilização de esperança num mundo melhor, pela reivindicação de direitos fundamentais, pela luta contra qualquer forma de repressão, de obscurantismo, de mutilação cultural ( e por isso, também emocional), de racismo, constato que a luta continua, e que aquilo que chamamos de democracia, no fundo continua a ser uma forma de ditadura mais subtil, em que foi dado ao homem a liberdade, e a liberdade de escolha, mas esta ligada a uma profunda e bem urdida teia de escravidão intelectual, emocional e espiritual baseada em pressupostos de qualidade, amor e fé totalmente fictícios. Os preconceitos continuam aí, as ideias feitas, surgem dos quadrantes mais insuspeitos, mesmo qualquer um de nós, se estiver mais atento, repara em reacções e pensamentos perfeitamente automatizados, sedimentizados pela sua educação, os seus valores culturais, a sua, julga ele, abertura de espírito. Como diz Tolle, estamos todos adormecidos, anestesiados, enjaulados na ideia que fazemos de nós próprios, domesticados por estes regimes democráticos que nos dão tudo o que queremos, mas afastam-nos do essencial, da luz, do nosso sentir, do nosso eu interior. Por isso deixo aqui extractos da Introdução do livro de Eckhart Tolle, Um Novo Mundo, Despertar para a Essência da Vida, livro que considero de leitura obrigatória a todos, não excluindo nunca um espírito crítico e empenhado que o livro exige, mas sobretudo o de deixar abrir o nosso coração e espírito para questões tão importantes para a nossa evolução como seres humanos. O livro é um Best-seller, e para aqueles que têm preconceitos sobre isso, mais uma razão para o lerem e chegarem à conclusão que a personalidade não é uma coisa que apareça num grande letreiro luminoso, onde anunciamos os nossos dotes, e que não se constrói só na marginalidade ou por atalhos culturais pretensiosamente profundos e inteligentes. Sei que está na moda esta coisa New Age muito espiritual e livros de auto ajuda e auto conhecimento. É bom este fenómeno estar a acontecer, mas também é necessário filtrar, e saber por onde começar, e não esbarrar em livros que não são sérios, mas que sejam “espiritualmente vivos”, e não entrarmos numa de fazer um reset à nossa personalidade, numa tentativa de apagar erros e deformações que sabemos que existem ou que enventualmente descobrimos existirem. O importante é trazer a Luz para dentro de nós, não moldar, de maneira alguma, qualquer tipo de realidade interior. Esta revolução que está em marcha não é para ser comemorada uma vez por ano como o 25 de Abril, ela é para ser feita a cada minuto, a cada hora, a cada dia por todos nós, se queremos construir um mundo melhor.

. Estará a Humanidade preparada para uma transformação da consciência, um florescimento interior tão radical e profundo que, comparado a ele, o florescimento das plantas, por mais belo que seja, não passa de um pálido reflexo? Serão os seres humanos capazes de perder a densidade das suas estruturas mentais condicionadas e tornar-se iguais aos cristais ou às pedras preciosas, ou seja, transparentes à luz da consciência? Serão os seres humanos capazes de desafiar a atracção gravitacional do materialismo e da materialidade e elevar-se acima da identificação com a forma que alimenta o ego e os condena à prisão da sua própria personalidade?(...) O que podemos fazer para provocar ou acelerar esta mudança interior?
. (...)Uma parte crucial do despertar é o reconhecimento de um eu adormecido, o ego que pensa, fala e age, bem como o reconhecimento dos processos mentais condicionados colectivamente que perpetuam o estado de adormecimento. (...)se não conhecermos o mecanismo básico de funcionamento do ego, não seremos capazes de o reconhecer e ele continuará a maquinar estratagemas para nos levar a identificar-nos com ele. Isto significa que ele se apodera de nós, que é um impostor a fazer-se passar por nós.(...)o acto de reconhecimento em si é uma das formas que dá origem ao despertar. Quando reconhecemos a nossa falta de consciência, o que torna esse reconhecimento possível é a consciência em desenvolvimento, é o despertar. Não podemos lutar contra o ego e vencer, tal como também não podemos lutar contra as trevas. Não é preciso mais nada, apenas a luz da consciência. E você é essa luz.
. (...)O medo, a ganância e o desejo de poder são as forças psicológicas que sustentam a guerra e a violência entre nações, tribos, religiões e ideologias, além de serem também a causa de incessantes conflitos nas relações pessoais. Provocam uma distorção na nossa percepção de nós próprios e das outras pessoas. São elas que nos levam a interpretar mal uma situação, conduzindo a acções despropositadas concebidas para nos libertar do medo e satisfazer a nossa necessidade de mais, que é um poço sem fundo.
. Porém, é importante realçar que o medo, a ganância e o desejo de poder não são a tal disfunção de que estamos a falar, mas sim o seu produto. Esta disfunção é uma ilusão colectiva profundamente enraizada na mente de cada ser humano. Há uma série de ensinamentos espirituais que nos aconselham a abandonar o medo e o desejo, mas estas práticas espirituais geralmente não dão resultado. Não vão à raíz da disfunção. O medo, a ganância e o desejo de poder não são os principais factores casuais. Tentarmos ser seres humanos bons ou melhores parece uma coisa louvável e de sentimentos nobres, mas é um esforço pelo qual não obteremos frutos, se não se verificar uma mudança na consciência. Esta tentativa aida faz parte da mesma disfunção, é uma forma subtil e invulgar de narcisismo, de querer obter sempre mais, de desejar uma consolidação da nossa identidade conceptual, da imagem que criamos de nós próprios. Não nos tornamos bons tentando ser bons, mas encontrando a bondade que já existe dentro de nós e deixando-a vir à superfície. Porém, tal só é possível se algode fundamental mudar no nosso estado de consciência.
. A história do comunismo, originalmente inspirado em ideais nobres, ilustra de forma clara o que acontece quando as pessoas tentam mudar a reslidade exterior – criar um novo mundo – sem terem promovido anteriormente uma mudança na sua realidade interior, no seu estado de consciência. Fazem planos sem ter em conta a garantia de disfunção que todos os seres humanos carregam consigo: o ego.
. (...)O maior feito realizado pela Humanidade não está relacionado com o que ela conseguiu atingir na arte, na ciência ou na tecnologia, mas com o reconhecimento da sua própria disfunção, da sua própria loucura.
. (...)As religiões concediam às pessoas o pretexto para se sentirem “certas” em oposição aos outros, que estavam “errados”, e, por conseguinte, ajudavam-nas a definir a sua identidade com base nos seus inimigos, os “outros”, os “descrentes” ou “mal-crentes”, encontrando com frequência justificação para os matar. O Homem criou “Deus” à sua imagem. O eterno, o infinito e o inominável foram reduzidos a um ídolo mental, no qual se tinha de acreditar e o qual se tinha de venerar como o “meu deus” ou o “nosso deus”.
. No entanto...no entanto apesar de todos os actos de loucura cometidos em nome da religião, a Verdade para qual apontam ainda brilha no seu âmago. Continua a brilhar, por mais ténue que seja o brilho, por baixo das várias camadas de distorção ou má interpretação. Porém, é pouco provável que sejamos capazes de percepcionar esse brilho se nunca tivermos tido pelo menos vislumbres dessa Verdade dentro de nós mesmos.
. (...)Por intermédio de alguns homens e mulheres, no seio das principais religiões desenvolveram-se escolas ou movimentos que representavam não só uma redescoberta, mas também, em alguns casos, uma intensificação da luz da doutrina original. Deste modo, nasceram no seio do Cristianismo inicial e medieval o gnosticismo e o misticismo, o sufismo na religião islâmica, o chassidismo e a cabala no Judaísmo, o advaita vedanta no Hinduísmo e o zen eo dzogchen no Budismo. A maior parte destas escolas era iconoclasta. Estas escolas fizeram desaparecer camadas e camadas de estruturas de conceptualização morta e sistemas mentais de crenças, o que fez com que a grande maioria fosse vista com desconfiança, e muitas vezes até com hostilidade, por parte das hierarquias religiosas oficiais. Ao contrário da religião dominante, os seus ensinamentos acentuavam a compreensão e a transformação interior. Foi através destas escolas ou movimentos esotéricos que as principais religiões recuperaram o poder transformador dos ensinamentos originais, embora, na maior parte dos casos, apenas uma pequena minoria de pessoas pudesse ter acesso a eles. Este número de pessoas nunca foi suficiente grande para causar um impacto significativo na inconscência colectiva profundamente enraizada na maioria das pessoas. Com o tempo, até algumas destas escolas se tornaram demasiado rígidas ou conceptualizadas para surtirem efeito.
. (...)a nossa”espiritualidade” nada tem a ver com aquilo em que acreditamos, mas sim com o nosso estado de consciência.
. (...)Neste momento, estamos a assistir não só a um afluxo de consciência sem precedentes, como também a uma firmeza e intensificação do ego.
. (...)Mas o ego está destinado a perecer, e todas as suas estruturas ossificadas, sejam instituições religiosas ou outras, como empresas ou governos, irão desintegrar-se a partir do seu núcleo, independentemente do quão enraizadas aparentem estar. As estruturas mais rígidas, as mais difíceis de mudar, serão as primeiras a sucumbir.
. (...)Uma parte significativa da população mundial irá reconhecer em breve, se é que já não o reconheceu, que a Humanidade é agora confrontada com uma decisão difícil: evoluir ou morrer. Uma percentagem relativamente pequena da Humanidade, mas em franca expansão, já está a romper com os antigos padrões mentais egóicos e a despertar para uma nova dimensão de conciência.
. O que está a surgir neste momento não é um novo sistema de crenças, uma nova religião, ideologia espiritual ou mitologia. Estamos a chegar ao fim não só das mitologias, mas também das ideologias e dos sistemas de crenças. A mudança ocorre a um nível mais profundo do que o conteúdo da nossa mente, do que os nossos pensamentos. Na realidade, na base de uma nova conciência reside a transcendência do pensamento, a recentemente descoberta capacidade de nos elevarmos acima do pensamento, de nos apercebermos de uma dimensão que existe dentro de nós próprios e que é infinitamente mais vasta do que e o pensamento. Deixamos então de ir buscar a nossa identidade, a nossa percepção de quem somos, ao incessante fluxo de pensamento que, na consciência antiga, consideramos ser nós próprios. Constitui uma libertação extraordinária apercebermo-nos de que “a voz que ouço dentro da minha cabeça” não é quem eu sou. Então quem sou eu? Sou aquele que se apercebe disso. Sou a consciência anterior ao pensamento, o espaço onde o pensamento – ou a emoção, ou o estado de “sentir percepção” – ocorre.
. O ego não passa disto: a identificação com a forma, que significa primariamente a identificação com as formas do pensamento. Se o mal for detentor de alguma realidade – e é-o, não de uma realidade relativa, mas absoluta -, esta é igualmente a sua definição: a identificação total com a forma – com as formas materiais, com as formas do pensamento e com as formas emocionais. Isto resulta numa total ausência de consciência da minha ligação ao todo, da minha unicidade intrínseca com todos os outros, bem com com a Fonte. Este esquecimento é o pecado original, o sofrimento, a ilusão. Quando esta ilusão de uma separação total subjaz ou impera em tudo aquilo que penso, digo e faço, que tipo de mundo estou eu a criar?

Eckhart Tolle, Um Novo Mundo, Editora Pergaminho, 2006

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