quinta-feira, 23 de abril de 2009

Hoje comemora-se o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. Hoje vou pôr um excerto longo de um livro escrito por Ernesto Sampaio(1935-2001) em 1957, Luz Central, texto luminoso de um jovem de 21anos!, que descobri em 1985 na Antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa, EDOI LELIA DOURA, organizada por Herberto Helder, antologia preciosa a vários níveis, estimulante.
Ernesto Sampaio é desde aí uma pessoa que sempre admirei e acompanhei, nas traduções excelentes, nas entrevistas, poucas, nas escolhas, no seu amor pela vida, a criação, o dilacerante...e tenho pena de não o ter conhecido pessoalmente. Este texto foi algo que me marcou no meu pensar e com outras leituras da altura (Eliade, Bachelard, Boheme, Musil, Borges); ainda não consegui ler o Lautreamont. Uma mulher acompanhou-me nesse percurso, trazendo para ele vários tipos de luz, reflexões, amor, entusiasmo por todas as vertentes da estética e da filosofia, sendo também responsável por aquilo que sou, e o que ainda me encanta nesta Vida de Amor e Espírito, Sagrada. Obrigado.
.......

. A literatura exige solidão. A solidão é o estado de equilíbrio da consciência que prolonga a lucidez desde a mais simples percepção até à mais complexa representação de formas interiores sagradas. Estado de equilíbrio que resulta da oposição entre a necessidade de duração, de continuidade, frequentemente ligada às representações do Bem e da felicidade, e a tensão para o Sagrado(1) onde convergem a substância e a essência do Ser. Esta tensão – o Desejo, manifestado desde as suas formas mais arcaicas (entre as quais podemos englobar o erotismo, na ascensão para a evidência espiritual em que finalmente se transforma) até à ssuas formas superiores (a busca amorosa do ser essencial) – é o maior perigo que a consciência defronta. E é-o porque se estrutura segundo um sentido e um tempo histórico inalienáveis e o Desejo é a sua alienação, no reivindicar de uma forma e um acto para todas as virtualidades cósmicas do Ser, na sua natural tendência a integrar as particularidades que constituem cada individualidade, orgulhosa do seu número e da sua solidão, na universalidade da vida. Porque eu penso ser a consciência oposição ao Desejo. A consciência valor máximo, a conciência tradicional. A consciência que cada indivíduo carrega para se sentir relativamente vivo, seguramente vivo; a paragem, a escolha, entre os mil objectos estranhos que nos rodeiam, de os que melhor preenchem a nossa individualidade e a razão de ser dessa individualidade. A consciência nega-se à comunicação e utiliza, de acordo com o evolucionar da sua própria noção, um sistema convencional de trocas, especulando continuamente sobre a sua estrutura perceptiva. Se eu digo que a consciência se nega à comunicação é porque a comunicação exige morte e conciência é cristalização, é negação obstinada à arriscada operação que a morte implica. Por isso mesmo, a comunicação é absolutamente inintegrável em qualquer projecto da consciência (o projecto é o processo de definição do eu por referência aos objectos que o rodeiam, em face de um universo reduzido ao valor de paisagem ou de parede).
. Disse há pouco que a comunicação exige morte. O sentido desta exigência é o sentido de toda a grande criação, o de toda a comunhão cósmica. “Toda a grande criação”: como a Poesia, que é a anulação da individualidade do poeta em benefício do conhecimento expresso no Verbo e nos signos que lhe revelam ao violar os interditos que separam o Desejo da sua natural origem: o Sagrado. O sagrado que, por subtilíssimas habilidades lógicas, tem sido prodigiosamente afastado do homem até se transformar na habitação dos ídolos abstractos diante dos quais ele se curva e em cuja contemplação afoga a sua liberade, o seu desejo e a sua inigualável soberania. Se dou a Poesia como exemplo de grande criação é porque o poeta realiza, na magnífica definição de Georges Bataille, “uma operação sacral”(2), à semelhança do homem que ama, ao transformar-se ele próprio em comunicação “na medida em que participa da poesia”(3). O significado desta participação é o que tentaremos discernir.
. Recorro de novo a Bataille: “Ela(a poesia)parte de um autor soberano, para além das servidões de um leitor isolado, e dirige-se à humanidade soberana. O autor nega-se a si próprio, nega a sua particularidade em proveito da obra, nega ao mesmo tempo a particularidade dos leitores em proveito da leitura”(4), autor e leitores deixam de ser solidão, individualidade, e transformam-se em comunicação. Quando, na proposição inicial deste texto, eu disse que a Literatura exige solidão, referia-me à solidão que precede a morte, ao despertar para o reino da humanidade soberana, incompatível com o interesse e com a supercficialidade do real limitado pela razão. E, já que falo em razão, ocorre dizer que a liberdade humana não terá lugar nem sentido no Universo enquanto o pensamento lógico e determinista animar a mecânica dos processos que o homem utiliza para atingir fins que, na maior parte dos casos, não existem como fins no sentido integral da palavra, mas sim como extremos da cadeia de causa a efeito que esse processo constitui. Determinados fins da ciência, da arte e da filosofia racionalistas só existem como meios de justificar os meios empregados para os alcançar.
. Inútil é insistirmos nas deficiências do racionalismo em relação às necessidades e aos objectivos superiores do homem, dadas as limitações advindas da relatividade dos esquemas traçados pelça razão; a razão, que tende para um único objecto em cada período do seu funcionamento lógico-matemático, mais ou menos mediato conforme a lavanca que o põe em movimento e é o interesse, ou a necessidade, de prolongar intelectualmente as ressonâncias de um clarão de absoluto, escassas vezes alcançado, furtiva e relativamente. É inútil porque a característica fundamental do racionalismo é o controlo que impõe ao espírito. Ora, nós sabemos que um espírito dirigido – se fecha; e sabemos, ainda, que o conhecimento só é possível mediante um espírito excessivamente aberto e absolutamente disponível, que simultaneamente se assista, num desdobramento dialéctico do consciente e do inconsciente, resolvido na síntese destes dois elementos, reflexo no homem de todas as sínteses que, finalmente constituem o universo. Esta supra-conciência é exigida a quem nele queira ver e prever. A quem a alcançar, suponho, tudo lhe é revelado num só acto do espírito.
. Escrevi so princípio que a operação pela qual a consciência se dura e perpetua encontra-se, frequentemente, ligada às representações do Bem. É evidente, então, que o Desejo se acha ligado às representações do Mal, ao exigir liberdade como condição da sua metamorfose de pequeno em grande. A liberdade, ou é uma reivindicação total do Ser ou não é nada. Se considerarmos esta reivindicação como exigência fundamental da integração do homem no universo, fácil é verificarmos que: a liberdade de que falamos se identifica com destruição, a lenta e apaixonada purificação a que se referm alguns mitos orientais. Destruição que sobretudo dis respeito e sobretudo põe em perigo as normas, os valores, as trocas sociais que criam ao homem um número, um espaço, uma experiência própria, a meio das nossas brilhantes sociedades de produtividade. Um acto livre põe em perigo este armazém de estruturas, porque o seu objectivo será a provocação, a destruição desta sociedade de limitações, conform for ou não densa a ambiência ética que lhe deu origem e o seu consequente sentido revolucionário. Por isso a definição legal que lhe dão é a de crime, e isso há nele a luz soberana de todos os grandes crimes da história.
. Para não dar lugar a confusões precipitadas esclareço que o sentido revolucionário de que falo tem raízes na revolta contra o conceito de condição humana. Eu não sei o que é condição humana. Sei que o conceito habitualmente assim designado é usado para justificar todas as formas de expoliação e abdicação de que o homem é vítima. O homem mede-se pela não aceitação das circunstâncias dadas que o desfiguram, pela sua revolta contra essa condição. Cada vez que o homem se lembra, digo quando imagina, porque imaginar é recordar, aí está uma etapa da revolução que ele tem de operar desde a sua estrutura mental até a todo espaço que ocupa. A revolta não é impotência, irredutibilidade à natureza ou movimento que crie ao homem um destino particular. A revolta é a base da revolução, e a revolução é a liberdade das formas contingentes do espírito. Não lhe traz nada de novo mas restitui-lhe todos os seus poders reconduzindo-o às origens. Revolução é marcha, é transformação. Para que um homem possa marchar e transformar-se é preciso que se disponha a morrer, a abandonar o pequeno e parcial ser que constitui, a fim de transformar-se ele próprio em Ser através da já citada metamorfose do pequeno Desejo em grande Desejo. Creio ser oportuno falar do maior entrave que se põe a essa metamorfose: a experiência. É a maior ontingência que o Ser defronta porque cristaliza o infinito pensando-se finito, o macroscósmico reduzindo-se a microcósmico. É preciso recusá-la a cada momento – porque o seu sentido é a justificação da consciência, que se adapta à decepção. Contra a experiência: a Poesia, a comunicação para além de todos os interditos e contra toda as limitações(5). Não uma moral, mas uma hiper-moral; não um fechar-nos nos nossos actos, mas um abrir a essência e a substância do fragmento que somos à penetração de Ser “de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo cessam de ser percebidos contraditoriamente”.(6) A Poesia coincide, então, com a destruição a que já nos referimos, correspondendo esta destruição ao desregramento dos sentidos exigido por Rimbaud como condição preliminar do acto poético, o grau máximo das formas que o Mal pode assumir. Ora, para a Literatura – que é a continuidade da Poesia (e não me refiro, evidentemente, à pacotilha que, aqui e lá fora, passa normalmente por Literatura) – não há Mal nem Bem, não há interditos: há comunicação. O que só por si chegava para justificar o 2escândalo” que constitui para a consciência a percepção da existência do corpo quente e vivo que dela faz parte. Ah, que se não fossem as possibilidades extraordinárias que não cessam de deixar entrever ao homem o ponto radioso, até agora atravancado de deuses e de ídolos que a desonra de uma pretensa “propensão religiosa do homem” lá tem posto...
. E é a vez de falarmos no movimento que, em princípio e quanto ao método, ou “forma”, que lhe corresponde e seu respectivo objectivo, é uma revolução no espírito e na matéria, melhor: uma correcção na concepção de matéria. O corpo novo que há-de aparecer, os indícios seguros da experimentabilidade das transmutações e das transcomunicações universais, os objectos mágicos e magicizantes que assinalam e justificam a estrutura mental que os animou, deixam para trás, metamorfoseiam, transformam em certezas anímicas a-conceptuais os conceitos de matéria e de espírito; e a tal ponto que, esotericamente, não percebemos senão um fluxo, um mono-estado do Ser, infra-e super-estruturado; comum a tudo o que existe, com forma e essência, imediata e transcendentemnte, do grau zero ou grau infinito, do ponto extremamente parcelado ao ponto onde as antinomias cessam, do átomo ao Universo. Como “prova” “visível” da viabilidade deste estado, temos a “harmonia” do mundo que habitamos, - mundo cheio de opostos e choques que o perpetuam. Este movimento é, na sua expressão intelectual, um monismo dialéctico que ultrapassa, contendo-os, tanto ao marxismo como ao idealismos hegelianos (os românticos e os orientais). Contra a teoria da exclusividade da matéria (a), do primado do espírito (b), da ausência ou gratuitidade das formas de vivência humana: Desejo e Paixão (c), - afirma-se a existência de um ponto de onde tudo – matéria e espírito (para não nos perdermos de vista) – emana. Este ponto central querem muitas metafíicas que seja Deus, já que se trata de um mito(7) que extrema a existência. Ora, todos nós sabemos que os mitos que extremam a existência têm vindo a ser objecto de uma deprimente especulação religiosa. O mito do ponto central, como todos os mitos, contém dois elementos: um, radicado na tensão que liga o homem à transcendência; outro, na transcendência ela mesma. É na tendência para a cristalização resultante do desejo de paz, de imobilidade, desejo que objectiva a transcendência algures fora do Universo, divinizando-a, - é aí que a especulação se revela. Isto acontece porque o homem, ao negar-se a viver fora-de-pé, em perigo, em constante luta, isola cada um dos elementos que compõem o mito. Assim, os mitos funcionam não como factores de exaltação, mas sim e ao invés como expedientes de consolação. O que se deve atribuir ao facto de – pelo menos no Ocidente – toda a aspiração religiosa partir de uma, consciente ou inconsciente, desesperação humana. Todos os exegetas das religiões do Ocidente – o Cristianismo, sobretudo – apontam a angústia como o mais seguro meio de transporte para alcançar Deus. (Uma vez lá, parece, o estado é o de graça.) Fala-se muito, entretanto, da dissociação homem-mundo, e diz a propósito ser ela o factor primeiro da tragédia da condição humana. A mais humilde experiência, sem pretensões culturais, nos ensina que – onde exista Desejo não existe dissociação, existe Amor. E Amor é o mito que mais absolutiza o homem. É por ele – o Amor – que a divindade é forçada a “descer” ao seu elemento inicial: o mundo. Todas as Religiões se opõem ao Amor(8) e a razõ disso está em que a divindade não é, para o Amoroso, mera abstracção; é, sim, um corpo susceptível de posse(9), e a cujo contacto este provoca as explosões de luz que iluminam o Sagrado. É um corpo que nos restitui o equilíbrio inicial; e as suas palavras são sempre extremas. É um corpo essencial – porque só o conhecemos na ascensão para a extremidade emocional da vida – e porque somente dele comungamos na transcendência.
. Voltando, pois, ao ponto central. O movimento do espírito que temos vindo a considerar instaura um elemento novo, até agora ausente de todas as tabelas químicas e metafísicas. Por ele se pretende conquistar a chave do compartimento onde se esconde, para observar-lhe os mivimentos mais íntimos; é, enfim, aspiração a uma Sabedoria Universal(10), que é um conhecer dos ritmos secretos da Natureza, da qual nós, o homem, somos parte privilegiada.
Como uma das múltiplas definições possíveis da sua forma, podemos propor a seguinte: pensar de outra maneira em outra coisa; maneira que nasceu de algo já revelado e perdido; coisa, inicialmente vivida, recordada de cada vez que a imaginação conduz o espírito e que o espírito completa o corpo e que o corpo contém a terra. Libertar e seguir a imaginação demonstra-nos o quanto estamos afastados da Vida, das preeminentes situações, do Amor. Sentir este afastamento, senti-lo no corpo de uma maneira incisiva e violenta, vem a ser a condição, única, do nascimento do Desejo; que, tendendo para o real, integra a verade particular na verade universal. Esta integração constitui o vértice da pirâmide moral que o homem é. À tendência irresistível no homem para o conhecimento que definimos por ponto central, empregando uma fórmula que todos os ocultismos mencionam: (“A Grande Obra é a conquista do ponto central onde reside a força equilibrante” – afirma Eliphas Lévi, na sua História da Magia), a essa tendência irresistível, dizíamos, dá-e o nome de revolução – que o mesmo é dizer, a instalação da verade desde a estrutura mental a transformar para recuperar o maravilhoso Paraíso Perdido(11) até ao espaço, todo, que o homem ocupa(12).
. Para mim, a iluminação, a densidade poética de alguns objectos que o homem cria, numa transfiguração surrealista da clássica “obra de arte”, resultam elas do choque extraordinário que se opera entre a “forma” e aquilo que é absolutamente estranho a qualquer espécie de linguagem, poética ou plástica, o que nasce e cresce até mais não caber na carne do poeta, e metaforicamente se revela, então, numa linguagem nova, estranha e pura, particularizando e a-historicizando a forma, numa palavra: negando a arte. A arte, que, no seu para nós mais válido conceito, é definida pelos grandes contrutores de exegeses como ligação entre a estrutura carnal (ou espiritual, como quiserem) do artista, e o tempo, - ligação esta objectivada na obra, a qual é gerada no ponto onde convergem(dizem) a metafísica e a moral, sendo que a arte é acção que se quer livre no princípio que a determina e no fim que dura enquanto ela (acção) durar. Ora, eu penso que há no processo de criação artística um desviacionismo, uma omissão essencial. O artista detém-se, concentra o que pode ser dado, e dá. Liberta-se de parte do que nasceu e cresceu em si, de parte do que constitui uma séria ameaça ao seu equilíbrio (que é o seu número, a sua particularidade), e de parte da sua responsabilidade moral(histórica). As outras partes continuam-lhe dentro da carne e da consciência, à espera de vez, e assaltam-lhe o espírito reduzindo-o a uma dualidade impotente. Temos, assim, em vez de comunicação, ersatz. Em vez do acto amoroso, directo e absoluto, imitação do amor, estética. Esta conduziu à simplicidade de grande parte da arte contemporânea, e é o actual estado da lógica artística.
. Contra esta lógica insurge-se a soberania do homem, reclamando, queimando-se à procura de uma expressão de libertação total do pensamento, da concreção do espaço poético, à procura do momento em que o Espírito se une à Forma, repelindo e aniquilando tudo aquilo que o constrange.
. O Poema surgirá então como um acto livre mas não arbitrário. Surgirá como acto do pensamento aberto às determinações superiores do tempo e da natureza, como anunciação de que o ponto central está à vista e com ele o princípio da remissão definitiva de Prometeu.

(1)Para mim o “Sagrado” representa elementarmente uma energia. Não estou a considerar as suas formas sociais, normalmente religiosas e servindo de estrutura à boa ordem da sociedade, mas as suas formas imediatas, individuais, psicológicas por assim dizer. O sagrado, dizia, representa a energia polarizada e, aos olhos do profano, ambígua, onde vibra a essência da Vida.
(2,3,4)in Littérature et le Mal.
(5)(…)”les vrais poèmes semblent vivre une vie entièrement personelle. Ce que nous devons chercher dans un poème, n’est donc pas une reference à quelque chose d’extérieur à lui-même, mais le principe intérieur d’individualité et de vie qui en est l’âme ou la “forme” – Thomas Merton. In Poésie, Simbolisme et Typologie.
(6)André Breton.
(7) “O mito é o nada que é tudo.
......
O corpo morto de Deus
Vivo e desnudo.” (Ulisses, de Fernando Pessoa.)
(8)(...)Jusqu’ici l’humanité n’a conçu qu’un seul mythe de pure exaltation, l’amour sublime, qui partant du coeur même du désir, vise à sa satisfaction totale. C’est donc le cri de l’angoisse humaine qui se métamorphose en chant d’allégresse. Avec l’amour sublime, le merveilleux perd également le carctère surnaturel, extraterrestre ou céleste qu’il avait jusque-là dans tous les mythes. Il revient en quelque sorte à sa source pour découvrir sa véritable issue et s’inscrire dans les limites de l’existentce humaine.(...) Par suite, l’amour sublime s’oppose à la religion, singulièrement au christianisme. C’est pourquoi le chrétien ne peut que réprouver l’amour sublime appelé à diviniser l’être humain. Par voie de conséquence, cet amour n’apparaît que dans les sociétés où la divinité est opposée à l’homme: le christianisme et l’Islam, encore que, dans ce dernier, le poids de la théologie l’ait, dès sa naissance, empêché de s’intégrer à l’être humain. L’amour sublime représente donc d’abord une révolte de l’individu contre la religion et la société, l’une épaulant l’autre.”-Benjamin Péret. In Anthologie de L’Amour Sublime.
Dir-se-ia, à primeira vista, haver na religião uma aspiração ao amor sublime. Mas esta impressão não resiste a uma análise mais demorada. A religião rejeita o objecto humano, fazendo incidir na divindade atributos que pertencem a esse objecto, conferindo-lhe )à divindade) um valor carnal, como é o caso posto em evidência em textos de grandes místicos.
(9) Há uma mística do amor; do amor humano.
(10) Afastada toda e qualquer implicação do enciclopedismo.
(11) De Teixeira de Pascoaes, in Regresso ao Paraíso:
.......
“Eram almas de Poetas
Que tiveram a audácia de fazer
Falar a muda Esfinge;
Que interrogaram Deuses e Fantasmas
E comeram o fruto proibido
Da árvore do Mistério.”
.....
“Vede o homem sonhando; e pelo sonho
Remindo as ermas cousas transitórias,
Concluindo a imperfeita Criação,
Que Deus iniciara...”
...................
“E a árvore da nova Fé
Levanta, para o sol, os ramos verdes;
E na amorável sombra que projecta,
Rebrilham, como estrelas, os dois olhos
Da Cobra tentadora.”

(De notar é que esta última estrofe transcrita é, também, a estrofe com que termina o livro.)
(12) O surrealismo identifica Revolução com Poesia, e veja-se como se empenham, hoje, como se têm empenhado sempre os profissionais do espírito, em proclamar a sua morte, deste; porque tais profissionais têm “força”; porque invadem eles todos os planos da actividade cultural possível; porque o público não tem tempo para ler, e mercadeja os digests que eles servem regularmente; porque o público exige uma arte que torne a existência melhor, mais agradável, que o faça rir, chorar, que eleve a alma, e quer uma filosofia para já, que aponte soluções, que seja “objectiva”, que se possa reduzir a romance, peça de teatro, filme ou colóquio, ao alcançe de quantos cretinos letrados aqui e lá fora aparecem a fazer alarde de uma impudica desnaturação intelectual, de uma vergonhosa impotência...Brilhante desfile de talentos, de habilidades, de domínios, predomínios e condomínios, mais ou menos virtuosísticos dos meios de expressão, de réussites, de “protocolos”,(a expressão é de Kierkegard e envolve a noção de-compromisso(s).) de tudo aquilo, enfim, que de perto ou de longe é produto de uma...intenção artística.

Excerto de Luz Central de Ernesto Sampaio(1935-2000)inserido também na excelente antologia das vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa, EDOI LELIA DOURA, organizada por Herberto Helder, Assírio e Alvim, 1985.

[Bibliografia: Luz Central (1957); Para uma Cultura Fascinante (1958); Antologia do Humor Português (1964); A Procura do Silêncio (1986); O Sal Vertido (1988); Fourier (1996); Feriados Nacionais (1999); Ideias Lebres (1999); Fernanda (2000)]

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.