segunda-feira, 20 de abril de 2009

Meu caro amigo, depois de ler os teus textos magníficos de extâse em Roma, dedico-te este poema de um poeta maior, que capta algo do que nos une na interrogação do mundo, do gosto pela arte em geral, pela arquitectura. Também estive a ver hoje um programa fabuloso no ARTE sobre Pompeia que queres visitar, e isto tudo se encadeia. Grande abraço e obrigado pelos comentários e incentivo existêncial.

AMOR EM AGRIGENTO
(Empédocles em Akragas)

............... É a hora do regresso das coisas,
quando o campo e o mar se cobrem de uma sombra lenta
e, focos, os templos se desvanecem no espaço;
meus passos tremem nesta ilha misteriosa.

................ Recordo-te, com maior formosura
que as divindades aqui antes adoradas;
e com mais espírito, pois vives.
No coração há uma angústia
porque te ama,
e estas velhas colunas nada explicam:

................ Uns olhos ardentes, certa vez, olharam esta terra
e descobriram origens diversas nas coisas,
e notaram que eram enlaçados por espíritos opostos
para que houvesse mudança, e explicar assim a vida.
Esta tarde, com os olhos profundos, descobri a intimidade do mundo:
só com aquele princípio, o que albergava o peito,
estendi o olhar sobre o vale;
mas para existir o universo pede o ódio e a dor,
pois ao olhar o movimento criado das coisas
vi que, num momento, se extinguiam,
e nas coisas o homem.

................ A cidade, elevada, acendeu-se
e os vivos ouvem longos latidos pelo campo:
este é o trânsito da morte, confundindo-se com a vida.
Estas pedras mais nobres, que só o tempo tocara,
não alcançaram ainda o esplendor do teu cabelo
e elas, mais lentas, sofrem também a passagem inexorável.
Sei por ti que vivo em excesso
e esta forte dor da existência
humilha o pensamento.
Repugna hoje ao espírito
tanta beleza misteriosa, tanto repouso doce, tanto engano.

................ Esta cidade será um belo lugar para esperar o nada
se o coração pulsa já com frio,
contemplar o cair dos dias,
desvanecer-se a carne.
Mas hoje, junto aos templos dos deuses,
vejo cair em terra o negro céu
e sinto que é minha vida quem aturde a morte.

Francisco Brines(1932), tradução de José Bento, em Ensaio de uma Despedida, Assírio e Alvim

1 comentário:

  1. Excelente! Neste poema ressoa a atmosfera clássica, o mármore, o mediterraneo...
    Estive, outro dia, à procura dos Poemas Italianos da Cecilia Meireles mas não os encontrei...(espero que tenhas visto o Delfim)

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