sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Pouco a pouco, insensivelmente, neste mundo orgulhoso do seu individualismo, esbate-se a questão da necessidade de amar e de ser amado. Quem sabe actualmente que o amor dá a possibilidade de obter êxito na própria vida e permite oferecer aos outros possibilidades de serem bem sucedidos nas suas?
E, ainda que o soubéssemos, os modelos com que deparamos só nos permitem a nostalgia dessa “crença”. Primeiro fala a razão “razoável” contra a razão paradoxal: se tudo dependeu de um meio circundante quanto à qualidade de um amor recebido, que eventualmente teria então permitido ser bem sucedido na própria vida, a questão é meramente formal. Quando nada dependeu de si, a única salvação real não terá consistido, efectivamente, numa subversão das situações de dependência experimentadas como alienatórias?
E depois desencadeiam-se os reflexos condicionados actuais: “Queriam mostrar que é melhor amar e ser amado? Queriam com isso dizer que existe algures uma verdade que poderia ser válida para todos os homens?” Esta pretensão, sentida como um ataque, é imediatamente desqualificada e assimilada ao pecado do século: um dogma, que esconde um sistema forçosamente paranóico.
Hoje em dia é muito viva a alergia aos rótulos de verdadeiro/falso, bom/mau. Cada um os sente como um escolho relativamente à sua própria liberdade de decisão: por isso cada um pretende possuir a faculdade de se governar a si mesmo, e decidir aquilo que para ele é verdadeiro ou falso, bom ou mau. A identidade procura-se na recusa à sublissão a um imperativo categórico, seja ele qual for: o homem de hoje possui um agudo sentido do direito à sua irredutível diferença. Depois de o pensamento ter sido confiscado por normas colectivas, ele é actualmente confiscado pelo indivíduo.
“Outrora cego para o totalitarismo, o pensamento encontra-se agora cego por ele” denuncia Finkielkraut (La défaite de la pensée), e prossegue:”Tendo-se fixado como objectivo prioritário a ruptura com o masoquismo moralizador”e com as antigas estruturas comunitárias(…)”o homem democrático concebe-se a si mesmo como um ser independente, como um átomo social: separado em simultâneo dos seus antepassados, dos seus contemporâneos e dos seus descendentes, ele preocupa-se em primeiro lugar com fazer face às suas necessidades privadas, e pretende-se igual a todos os outros homens(…)”.”Uma tal reabilitação do individualismo ocidental mereceria ser aplaudida sem reservas, se, na sua raiva anti-depreciativa, ela não confudisse o egoísmo (ou, para utilizar uma perífrase desprovida de qualquer conotação moral: a prosecução por cada um dos seus interesses privados) com a autonomia.(…)No próprio instante em que a técnica, por interposta televisão e interpostos computadores, parece poder fazer entrar todos os saberes em todos os lares, a lógica do consumo destrói a cultura. A palavra permanece, mas esvaziada de qualquer ideia de formação, de abertura ao mundo e de cuidado com a alma. A partir daí, é o princípio do prazer – forma pós moderna do interesse particular – que rege a vida espiritual. Já não se trata de constituir os homens em sujeitos autónomos; trata-se de satisfazer o seu desejo imediato, de os divertir pelo mínimo custo.”A lógica do consumo, se ela destrói a cultura, destrói também o amor.(…)porque esta palavra, tal como a palavra cultura, encontra-se efectivamente esvaziada de qualquer conteúdo rigoroso(…).

págs. 138-140 , Jeammet

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