Até que enfim! Alguém escreveu um livro anti pensamento positivo. Contra a ditadura do pensamento positivo. Barbara Ehrenreich nasceu em Montana, nos EUA há 68 anos. Ex-colunista da revista Times e colaboradora do New York Times, entre outros, já foi nomeada Humanista do Ano. Depois de ter tido um cancro da mama, escreveu o livro Bright Sided-How the relentless Promotion of Positive Thinking has Undetermined America ( Como a promoção incansável do pensamento positivo prejudicou a América). Ver texto e blogue
(...)os livros de auto-ajuda são cada vez mais populares.
É muito apelativo acreditar que temos um poder tão grande que podemos controlar tudo o que nos acontece. Querem-nos convencer que podemos curar uma doença, ficar ricos, ter uma carreira de sucesso, conquistar o homem que não nos ama...É uma espécie de religião, a primeira a colocar o ser humano no centro do universo. A ideologia do positivismo é terrivelmente individualista. Nenhum livro de auto-ajuda pergunta se os nossos desejos entram em conflito com os dos outros. Aqui, o homem é capaz de fazer tudo o que quer só com os seus pensamentos.
Estamos menos tolerantes com a infelicidade?
Não queremos ouvir queixas, não queremos saber dos problemas dos outros. Ninguém quer estar perto de alguém negativo. As pessoas são ensinadas a não agir como vítimas. Se alguém pensa que os seus problemas se devem a discriminação racial ou ao facto de ter nascido pobre, o positivismo responde que isso são desculpas, que todos têm capacidade de ser bem sucedidos. Quando tive cancro, não queria estar sempre a queixar-me, mas também não me agradava a ideia de não poder ficar curada se não fosse optimista! Abaixo a ditadura do pensamento positivo!
Em última instância, o positivismo pode tomar o Homem mais infeliz?
Eu sentia-me infeliz com a doença. Ter de fingir que estava feliz só me dava uma sensação de infelicidade maior. Os sentimentos são para ser levados a sério.
De onde surgiu esta ideologia?
É uma coisa muito americana, de meados do séc.XIX. Ironicamente, tenho uma certa simpatia por quem começou este movimento: eram rebeldes contra o protestantismo calvinista da época, diziam que não eram todos pecadores, que não estavam todos condenados ao castigo eterno, que viviam num país cheio de oportunidades. O problema é que no séc. XX o pensamento positivo se transformou numa nova espécie de calvinismo, uma forma de as pessoas se culparem a elas próprias. Agora, em vez de andarmos obcecados com os nossos pecados, andamos obcecados em expulsar os pensamentos negativos.
A expansão das teorias do pensamento positivo pode mudar as características de um povo?
Eventualmente. Está a tornar-se um requisito para arranjar trabalho, por exemplo. Hoje, a atitude é mais importante do que a experiência ou a habilidade. É suposto aprender a ser positivo. Com a globalização, esta tendência pode deixar de ser exclusivamente americana.
Também critica as empresas que contratam oradores especialistas em motivação e positivismo. Acha que o seu papel é "mandar areia para os olhos" dos funcionários?
Acho. É um mecanismo de controlo num mundo empresarial onde queixar-se não é permitido, toda a gente tem de estar feliz com a sua situação, mesmo que seja precária. O império do positivismo movimenta milhares de milhões de dólares, é impossível imaginar quanto-além dos livros de relacionamentos, auto-ajuda e dietas, até nasceram novos postos de trabalho como os oradores especializados em motivação.
Como é que é possível escapar a esta obrigatoriedade do positivismo?
Encarando a realidade. Não é preciso pensar que tudo vai correr mal, mas porque não havemos de olhar para o mundo como ele é? Com as suas oportunidades e riscos?
Retirado de uma entrevista saída na revista "Sábado" de 28 de Janeiro de 2010, com texto de Vera Moura.
A esta última pergunta eu acrescentaria: Porque não havemos de olhar para nós mesmos e os outros como eles são? Mas para isso é necessário conseguirmos um conhecimento profundo de nós próprios, aceitando e melhorando algumas coisas, em vez de achar que só deveremos aceitar o positivo e o bom. Somos feitos de muita coisa contraditória, não acredito que consigamos ser perfeitos ou completamente harmonizados. Isso será conseguido com a consciência e o auto-conhecimento. O que pretendem os livros de auto-ajuda será a pessoa fazer um "reset" ao seu lado mais negro e assumir unicamente o lado luminoso. Pretendem acabar com as dúvidas, o inexplicável, a magia, o encanto, a poesia, a fúria, o sangue...os sentimentos são para ser levados a sério, e para serem nossos, não de todos e todos iguais.
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Há 4 dias
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