quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Ando a ler um livro muito interessante, que se chama "O Ódio Necessário" de Nicole Jeammet.
Alguns trechos da Introdução:

(...)O homem não é uma mónada. Situado num meio circundante, ocupa neste um lugar relacional, determinante para ele próprio como para aqueles que o rodeiam.
O sujeito naão pode construir-se sem objecto, e isso por duas razões exactamente inversas. Para uma criança, é necessário que o objecto-mãe ali esteja, presente e disponível no real, para que ela possa acreditar que foi ele que a criou com todos os seus elementos (teoria de Winnicott). A ilusão é fundadora da psique, na medida em que traz em si mesma a possibilidade da desilusão, que é sinónimo de acesso ao real. Um não é possível sem o outro. E nisso consiste o segundo papel igualmente indispensável do objecto: resistir à ilusão de completude, e fazer experimentar o ódio e o desejo de rejeição, a fim de dar ao real o seu peso de “realidade”.
O objecto só será objecto para mim se, em simultâneo, eu pude cria-lo, pela força do meu desejo, e encontrá-lo totalmente independente do meu desejo. Tal paradoxo constitui o cerne do nosso estar-no-mundo como ser indissoluvelmente real e simbólico. É esse paradoxo que este livro pretenderia explorar: a realidade – e muito o valorizou a psicanálise – só pode representar-se em fantasmas, que se interpenetram dinamicamente com objectos reais; mas os objectos reais orientam e transformam incessantemente os fantasmas…
Restringindo o campo ao domínio puramente fantasmático, o estudo psicanítico do funcionamento mental frequentemente propagou uma visão simplista do coração do homem: foi, por exemplo, evidenciado até que ponto o motor último de toda a acção residia permanentemente na evicção do desprazer, mas então se nada se faz com outras motivações para além do prazer, incluindo aquilo que é aparentemente altruísta e desinteressado, isso vem comprovar que todo o tipo de comportamento é equivalente, e que toda a forma de relação recobre, efectivamente, essa única realidade que consiste num único amor de si, um único egocentrismo. Todo o amor se procura a si próprio.
Esta visão, raramente formulada em termos tão incisivos, veiculada de maneira mais difusa e sabiamente ambígua, perverte gravemente o modo como se poderá compreender o que significa amar-se a si próprio e, a partir daí, amar outrem. E isso conduz a uma dupla armadilha: há quem aí encontre a justificação para a legitimidade do desejo pessoal enquanto tal, seja qual for esse desejo – considerando que limitá-lo ou renunciar a ele decorre do masoquismo ou da hipocrisisa – e há também aqueles que, reagindo a essa inflação do eu, assumem a posição rigorosamente contrária: vilipendiando o amor de si, pretendem privilegiar o amor do outro.
(…)
Se o conhecimento tem uma função tem uma função, não será ela a de manifestar sentido e, fazendo-o, permitir-nos o distanciamento das nossas próprias experiências, sejam elas quais forem, e por pouco que seja? Representações que, tendo a ver com uma compreensão coerente de nós mesmos, nos nossos laços de reciprocidade com os outros, não poderão orientar de outro modo as nossas energias de apetência, e proporem-se elas mesmas como possíveis saídas para a nossa libertação das teias afectivas em nos vemos enredados? E permitindo-nos então atingir qualquer coisa dos nossos encontros com os outros.
Porque se uma reflexão sobre este laço exemplar mãe-filho é tão rica, é porque, evocando-nos uma forma de amor, que pode criar ou matar uma vida e um real partilhados, ela fala-nos analogicamente de um campo de forças, presente nas tensões dinâmicas entre nós e os outros, que se encontra constantemente em devir de construção e de destruição.
(…)
Sem espaço de reconhecimento, fazemos necessariamente circular a violência de um ódio destruidor, que se alimenta da justificada reinvindicação de um lugar ao qual cada um tem direito para simplesmente existir. Para que nos sintamos vivos, todos nós temos necessidade de um lar(chez-nous) feito de um espaço e de um tempo abertos, que só se revelam a partir da diferença vivida entre o outro e nós, entre nós e o outro.
Do que são feitas essas maneiras de estar-no-mundo, que dão aos encontros possibilidades de acordarem dinamismos de vida, abrindo espaços e tempos de liberdade entre as pessoas?
De que são feitas, pelo contrário, essas maneiras de estar-no-mundo, que transformam os encontros em ocasiões nas quais se verifica que nada pode mudar, que o condicionamento tem efectivamente a última palavra e, que ele nos abandona ao desespero da repetição e do absurdo?

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