quinta-feira, 29 de abril de 2010

Todos os projectos de como as pessoas deveriam ser são ao mesmo tempo negações da realidade e tentativas de recriá-la. Uma das características peculiares do querer humano é envolver sempre o estar-se convencido do que se deveria querer. Essa convicção, que toma muitas formas - da lavagem cerebral à educação, da sedução à conversação -, é uma maneira de descrever a experiência de crescer em qualquer sociedade.
O querer, sem o qual a sobrevivência humana é impossível é simbolicamente organizado; ou seja, o querer é inextricável do que as nossas sociedades nos dizem que deveríamos querer.O século XX foi um grande cemitério de projectos idealistas, utópicos, para aquilo a que no século XVIII se chamou a “perfectividade do homem”. Vivemos hoje no meio das horrendas consequências das “vidas boas” planeadas politicamente; dos projectos mais agressivos e coercivos do que as pessoas deveriam ser e deveriam querer fazer com as suas vidas. E não foi por acaso que as linguagens da chamada saúde mental - de quem é são e quem é louco - foram tão facilmente cooptáveis, tanto por fascistas quanto por comunistas. Como maneiras de organizar simbolicamente aqueles a quem deveríamos dar ouvidos e porquê, aqueles a que deveriam falar e os que deveriam ser silenciados e excluídos, a saúde mental torna-se moralidade política através de outros meios.

em Adam Philips, Louco para não dar em louco, Cotovia, 2009

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